Reportagens

A luz que o Sol traz depois de se pôr (parte 1) 6s5r66

Comunidades ribeirinhas da Amazônia sem fornecimento regular de energia se beneficiam com experimento de energia solar em pequena escala.

Elizabeth Oliveira ·
12 de agosto de 2013 · 12 anos atrás
Uma das casas no sítio Promessa beneficiadas com a experiência piloto de iluminação com lâmpadas LED. Fotos: Eunice Venturi /Instituto Mamirauá
Uma das casas no sítio Promessa beneficiadas com a experiência piloto de iluminação com lâmpadas LED. Fotos: Eunice Venturi /Instituto Mamirauá

O Brasil tem 1 milhão de domicílios sem energia elétrica, segundo dados levantados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) junto às empresas distribuidoras e divulgados no final de 2012. A Bahia lidera o ranking com uma demanda de 323,3 mil ligações, seguida pelo Pará, com 220,1 mil e pelo Amazonas, com 90 mil. Na Amazônia, em especial, as condições geográficas dificultam a instalação da infraestrutura de eletricidade, tais como a presença de grandes rios e florestas densas, além de uma população dispersa em áreas territoriais extensas. Este é o caso das comunidades ribeirinhas amazonenses apresentadas nas 3 estórias reportadas nessa série. Suas necessidades foram aliviadas pela energia solar, que reduziu a dependência de combustíveis como o óleo diesel, poupou dinheiro e conteve impactos ambientais. Mesmos sendo testadas em pequena escala, essas iniciativas de energia solar melhoraram as condições de vida das famílias ainda sem fornecimento regular de energia elétrica. A previsão é que um dia elas sejam contempladas pelo Programa Luz para Todos, iniciativa do Governo federal criada há dez anos para assegurar a universalização dos serviços energéticos, porém distante do alcance dessa meta.

 

Quando chega a noite no Sítio Promessa, no município de Uarini (Médio Solimões, a cerca de 600 Km de Manaus), o pescador José Cordeiro não precisa mais acender a lamparina movida a querosene, hábito que repetiu ao longo de toda a vida para amenizar a escuridão. Na casa dele e nas das 7 famílias vizinhas desta pequena comunidade isolada do Amazonas está sendo testada, desde o fim de 2012, uma experiência inédita no estado: um kit de iluminação com uma célula fotovoltaica que alimenta lâmpadas LED. Ele percebe os ganhos depois da troca do combustível poluente pela energia solar: “Luz é vida e eu me sinto mais vivo agora”, diz o pescador ao ser indagado sobre o que representa trocar a dura rotina de noites praticamente às escuras no isolamento da floresta por uma fonte de iluminação de melhor qualidade.


Clique para ampliar

As novas lâmpadas não resolvem o problema da exclusão elétrica local, mas Cordeiro considera que elas facilitam as tarefas cotidianas, as mais prejudicadas pela falta de luz ou pela iluminação precária da lamparina. “Agora dá pra tratar o peixe e tecer a malha de pesca à noite. As crianças também podem estudar sem fumaça dentro de casa”, diz.

Ele contabiliza a economia de cerca de 15 litros de combustível por mês, consumidos anteriormente para manter acesa a lamparina da casa onde vive com a mulher e 4 filhos. O kit de lâmpadas LED inclui um carregador de pilhas, permitindo também economia com esse produto essencial na Amazônia, onde as famílias não podem abrir mão de uma lanterna e o rádio é um dos meios de comunicação mais viáveis.

Apesar do pequeno avanço no Sítio Promessa, com enfoque exclusivo na iluminação residencial, as 7 famílias (38 moradores) ainda são dependentes do óleo diesel para o a outro pequenos benefícios da energia elétrica fornecida pelo chamado “motor de luz”. Elas rateiam o custo de 80 litros de combustível por mês, principalmente, pra manter a TV ligada, entre às 18h e 22h. O pescador ressalta que não dá para ter geladeira ou usar outros eletrodomésticos, pois eles encareceriam a conta da comunidade. Vivendo nessas condições, Cordeiro se sente completamente esquecido por todas as esferas do poder público. “Aqui a falta de apoio é total. Ninguém lembra que a gente existe”, desabafa.

Oséas Pereira Lopes, outro pescador que mora na localidade, desejava ter um ponto comercial de venda de sucos de frutas regionais e outras bebidas. Entretanto, sem fornecimento regular de energia conta que não dá pra manter uma geladeira funcionando 24 horas. “Só por três dias de geladeira ligada eu gastaria mais de R$ 100 com óleo diesel”, diz.

Clique nas imagens para ampliá-las e ler as legendas

Na casa dele também está em teste o kit de lâmpadas LED para iluminação. “A fumaça da lamparina deixava as crianças doentes, com tosse e outros problemas”, conta a dona de casa Miricelma da Silva Lopes, mulher do pescador. “Quem tem criança sempre precisa acordar de madrugada e acender uma lâmpada é muito melhor do que usar a lamparina”.

Otacílio Brito, tecnólogo social do Instituto Mamirauá, organização à frente da experiência de uso de lâmpadas LED juntamente com uma rede de parceiros, considera que a situação de exclusão elétrica na Amazônia reflete falta de vontade política. “Em uma região que tem sol praticamente o ano inteiro, a energia solar é uma vocação natural e daria um salto na qualidade de vida nas comunidades, sobretudo as que vivem em áreas isoladas”, diz.

Os kits de LED a baixo custo são fornecidos pelo Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto-Sustentabilidade (Ideaas), parceiro do experimento.

 

Custo-benefício (energia solar versus combustível fóssil)

  • Kit LED: célula fotovoltaica mais lâmpada LED custa cerca de R$800,00.

Depois de instalado, o custo será somente da troca da bateria, a cada 3 anos (R$ 60).

  • Alternativa: instalação de um sistema de geração a partir de um motor elétrico, (alternativa largamente adotada na Amazônia), que custa cerca de R$ 35 mil.

O motor consumiria diariamente 4 litros de óleo diesel (obtido a cerca de R$ 4, por litro) para funcionar por somente 4 horas.
O gasto seria de cerca de R$ 12 por dia, R$ 360 por mês e R$ 4,3 mil por ano para iluminação residencial e uso de aparelhos de TV e som.

 

Leia Também
País possui um pré-sal de energia solar
Geração de energia solar bate recorde na Alemanha
PE terá fábrica de solar

 

  • Elizabeth Oliveira 2c286m

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

Leia também 84q8

Salada Verde
30 de maio de 2025

Sociedade civil protesta contra PL que quer acabar com o licenciamento 6n1v2o

Mobilização ocorre em ao menos 12 capitais. Protestos estão marcados para ocorrer neste domingo e marcam o início da semana do meio ambiente

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 3263y

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 4h422r

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Mais de ((o))eco 6q6w3q

energia s11j

Colunas

A promessa verde do Norte e o saque mineral do Sul 551b

Notícias

Fórum Popular para Transição Energética Justa discute papel social na produção de energia 4f6f28

Reportagens

Em quase três anos, avaliação ambiental no Nordeste não gerou decisão governamental 61r1

Notícias

Agência vê pico de emissões até 2025, mas 1,5ºC ainda fora de alcance 4w3y4y

energia solar 213z33

Análises

Energia solar em telhados, um modelo sustentável para a transição energética 46w47

Reportagens

Desmatamento por projetos de renovável aumentou quase 10 vezes em quatro anos 741j

Reportagens

Caatinga vive o dilema da transição energética justa 2u4o20

Reportagens

O sol é para todos – e assim a luz chega a comunidades isoladas 2d3ul

amazônia ia40

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 3h52q

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 386zf

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Colunas

No jogo das apostas, quais influenciadores apostarão na Amazônia? 1a2m6g

mata atlântica 234u64

Notícias

Brasil tem 34 espécies de primatas ameaçadas de extinção 3y45o

Análises

A importância da rede de colaboração em prol da conservação dos manguezais no litoral norte do Paraná 11p46

Notícias

A alta diversidade de aves em Bertioga, no litoral de SP 4o4w5q

Salada Verde

Ação prende casal que capturou macaco-prego no Parque Nacional da Tijuca 6j353g

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 2 5d6d45

  1. Andressa diz:

    Classe política não tem interesse em melhorar a qualidade para essas pessoas.. querem que elas fiquem dependentes da política e de seus votos de cabresto.Existem N formas de melhorar tudo.. mas… acaba a mamata de muita gente


  2. Nicole diz:

    Impressionante saber como vivem algumas pessoas dentro de nosso próprio país! Temos que cobrar dos nossos políticos, pois a matéria mostra claramente que existem formas baratas de melhorar a vida dos brasileiros, mesmo que seja um pouco.