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Reta final da COP-20 pode abraçar proposta brasileira 33193j

Nos dias finais da conferência, começa a corrida por um acordo global. Apesar do ceticismo, contribuição do Brasil pode ser a única consensual.

Maurício Thuswohl ·
10 de dezembro de 2014 · 10 anos atrás

Em Lima, os delegados reúnem-se em plenário para a inauguração do Segmento de Alto Nível. Foto:
Em Lima, os delegados reúnem-se em plenário para a inauguração do Segmento de Alto Nível. Foto:

Entrou na reta final a vigésima Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, a chamada COP-20, sediada em Lima. O objetivo é alcançar o acordo climático global a ser sacramentado por 190 países o ano que vem em Paris, na COP21, e que entrará em vigor em 2020. Os representantes de governo sabem que apenas um consenso firmado no Peru dará tempo hábil para que o chamado “Pós-Kyoto” seja implementado. E foi assim que deram início ontem (9) à reunião do chamado Segmento de Alto Nível, última etapa da conferência, que elabora seu documento final.

Poucos governantes estiveram em Lima até agora. Por enquanto, as estrelas da COP-20 são o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore e o secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon. Outra presença aguardada com expectativa, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também já está no Peru. Até o momento, a proposta brasileira é a tábua de salvação na qual se agarram diplomatas e governantes para um acordo.

O chamado Draft Zero (Rascunho Zero), tese guia para o documento final da Conferência, tem como referência a proposta brasileira dos “círculos concêntricos”, que estabelece obrigações para todos os países, mas de forma diferenciada, e poderia vencer a resistência de emergentes como China e Índia, cuja oposição, nos últimos cinco anos, contribuiu para paralisar as negociações.

A proposta dos círculos concêntricos divide os países em três grupos: 1) no círculo central estão as 37 nações mais industrializadas, que deverão assumir metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e também contribuir financeiramente para o Fundo Global do Clima; 2) no círculo seguinte estão os países emergentes, como o Brasil, que também terão metas de redução, mas voluntárias e sujeitas a mudanças provocadas por fatores como aumento do PIB ou da população; 3) No terceiro e mais amplo círculo ficam os países mais pobres, em sua maioria africanos ou asiáticos, que seriam encorajados financeira e tecnologicamente a adotar modos de produção sustentáveis.

Segundo a proposta brasileira, com o tempo, todos os países devem convergir para o círculo central, momento em que o conjunto das nações chegará à redução estimada para evitar que o aumento da temperatura da Terra ultrae o limite – considerado perigoso – de dois graus Celsius: “A vantagem da proposta é que você enxerga no tempo a evolução da sua posição, diferentemente do que temos hoje, onde a contribuição é estática. Com o Protocolo de Kyoto, os países tinham que reduzir ‘x’ por cento em relação a 1990, mas ninguém cumpriu”, disse Izabella Teixeira, em entrevista exclusiva a ((o))eco concedida horas antes de embarcar para Lima.

Para a ministra, a proposta é viável por três razões: “Primeiro, porque permite que todo mundo entre no jogo. Segundo, porque permite que cada governo e cada sociedade faça sua própria trajetória para chegar ao centro do círculo. Terceiro, porque dialoga com a meta de dois graus”.

Ao interligar as metas dos três grupos de países, a proposta brasileira pretende abarcar, pela primeira vez, os países mais pobres em um acordo vinculante: “Se um país em desenvolvimento vai emitir a partir de sua matriz energética e a gente pode transferir tecnologia para que essa matriz seja transformada com base renovável, estaremos mudando a curva de emissões desse país. Então, mesmo não sendo compulsório, faremos com que esse país voluntariamente reduza emissões em um cenário projetado. Essa pode ser uma obrigação, mesmo sendo de um país mais pobre”, disse Teixeira.

ONGs céticas, governo afirmativo

“Algumas pessoas não estão entendendo a proposta brasileira e dizendo que é tudo o que o Brasil sempre falou. Isso não é verdade. Ao contrário, é tudo o que o Brasil ou a falar quando afirmamos que aceitaríamos um acordo global legalmente vinculante”

As negociações em Lima, no entanto, não empolgam os representantes de organizações socioambientalistas presentes à COP-20. Segundo o Greenpeace, por exemplo, o Draft Zero contém até aqui “incertezas alarmantes em temas fundamentais”, como a data final para que cada país apresente suas contribuições nacionais ou o formato destas contribuições, o que, segundo a ONG, “significa que não está claro como estas promessas serão feitas, de quanto em quanto tempo serão revisadas e como serão cumpridas”.

O coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini, reclama da falta de discussões concretas sobre temas como florestas e combustíveis fósseis, entre outros: “Precisamos que os pontos nos quais ainda existem incertezas sejam clarificados. Uma das prioridades é sobre a meta de redução de emissões de carbono a zero até 2050. É necessário acabar com o desmatamento e ter uma transição justa de energias renováveis, com o fim do uso de combustíveis fósseis. Já temos as informações do que precisamos fazer e as ferramentas necessárias, mas falta vontade política”, diz.

Quanto à proposta brasileira, Astrini é taxativo: “Nela não há qualquer novidade em relação à posição que o Brasil sempre teve de dizer que os países em desenvolvimento só farão algo se os ricos fizerem antes. É o discurso que mantém o ime”.

A ministra Izabella Teixeira discorda: “Algumas pessoas não estão entendendo a proposta brasileira e dizendo que é tudo o que o Brasil sempre falou. Isso não é verdade. Ao contrário, é tudo o que o Brasil ou a falar quando afirmamos que aceitaríamos um acordo global legalmente vinculante, onde todos os países do mundo pudessem fazer sua contribuição. Ou seja, o Brasil só topava se todo mundo estivesse dentro, em um processo de negociação que leva em conta o conceito de responsabilidades comuns, porém diferenciadas previsto na Convenção”.

Hora do acordo

“Temos uma janela de oportunidade que está se fechando rapidamente e todos os países têm que fazer parte dessa questão. Temos que agir já. Não é um momento de dúvidas, mas de transformação”

No discurso de abertura da reunião do Segmento de Alto Nível da COP-20, Ban Ki-Moon anunciou a realização de uma nova reunião de cúpula em Nova York para junho do ano que vem e pediu pressa aos países desenvolvidos e emergentes para que apresentem suas metas voluntárias de redução ainda no primeiro trimestre de 2015: “Temos uma janela de oportunidade que está se fechando rapidamente e todos os países têm que fazer parte dessa questão. Temos que agir já. Não é um momento de dúvidas, mas de transformação”, disse o secretário geral da ONU.

O sul-coreano também citou os esforços anunciados pela União Europeia, que promete reduzir suas emissões em 40% até 2030, e por Estados Unidos e China, que assumiram compromissos após um encontro bilateral realizado em outubro. O presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que seu país pretende reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025, em relação às suas emissões de 2005. Já o presidente chinês, Xi Jinping, prometeu elevar para 20% a participação de energias renováveis na matriz energética do país até 2030 quando, segundo ele, a China atingirá o pico de suas emissões.

Izabella Teixeira recebe sem entusiasmo as metas anunciadas por chineses e norte-americanos: “Todo mundo celebra o acordo entre a China e os Estados Unidos. É evidente que ele é importante, mas do ponto de vista quantitativo o que ele significa? De fato, quanto a China diz que alcançará seu pico de emissões em 2030, vai reduzir? Já os Estados Unidos reduz as suas emissões a partir da substituição de uma matriz energética mais poluente para algo menos poluente, mas que também tem suas fragilidades ambientais, que é o gás de xisto, alternativa que pode dar ao país independência energética”.

O Brasil assumiu, desde a COP-15, realizada em 2009 em Copenhague, o compromisso voluntário de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 36% e 39% até 2020. Com a redução do desmatamento desde então, o país já deixou de lançar na atmosfera cerca de 650 milhões de toneladas de gases: “Isso é igual ao que o Reino Unido emite por ano. O Brasil deveria estar recebendo US$ 13 bilhões por ter reduzido suas emissões associadas ao desmatamento”, diz Izabella.

O tempo para aplainar as divergências se encerra com a conferência, nesta sexta-feira, 12 de dezembro. Faltam dois dias e, como de praxe, as negociações devem varar as madrugadas.

 

 

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