Reportagens

Biocombustíveis sob ataque 6n101

A reação global contra a rápida expansão dos biocombustíveis teve um recrudescimento esta semana com a proposta do governo do Reino Unido de diminuir as metas que cada país deve cumprir na introdução de combustíveis renováveis nas matrizes de transporte. O anúncio segue a publicação de um relatório oficial que concluiu que o uso sem controle de biocombustíveis pode levar a mudanças no uso da terra que aumentem as emissões de gases estufa e empurrem os preços dos alimentos ainda mais para alto.

Tim Hirsch ·
8 de julho de 2008 · 17 anos atrás

Enquanto o relatório sustentou que o etanol brasileiro está entre os tipos mais eficientes de biocombustíveis, ele também traz um estudo de caso que alerta que emissões de dioxido de carbono podem aumentar mais do que 60% se a produçãode combustível de cana de açúcar for feita com plantações que desmatem o Cerrado.

O recuo na política britânica para biocombustíveis foi uma resposta para o relatório sobre efeitos indiretos da produção de carburantes renováveis, conduzido pelo chefe da Agência de Combustíveis Renovaveis, Professor Ed Gallagher. O documento não pede uma moratória aos biocombustíveis, como têm demandado recentemente algumas ONGs európeias, mas ele diz que as metas obrigatórias de aumento de uso de biocombustíves na União Européia devem ser revistas. O estudo afirma que o aumento continuo no uso de biocombustíveis antes de 2012 deve apenas ocorrer se for possível provar que o meio ambiente e o suprimento de alimentos não estão sendo comprometidos, seja diretamente ou não .

O secretário britânico do Transporte, Ruth Kelly, respondeu imediatamente ao relatório anunciando uma consulta pública para alterar a “Meta de Combustíveis Renováveis para Transporte”, que estabelece uma porcentagem mínima de biombustíveis que os distribuidores britânicos tem que fornecer. A proposta é de que ao invés de elevar o nível de biocombustíveis para 5% até 2010/11, esse alvo seja adiado para 2013/14.

O relatório de Gallagher foi comissionado pelo governo britânico como uma resposta à crescente preocupação internacional sobre a sustentabilidade da expansão acelerada dos biocombustíveis, incluindo aí impactos potencias da produção sobre a Amazônia e outros ecossistemas brasileiros. Entre os impactos temidos estão mais incentivos para crescimento da produção de soja no Brasil, uma vez que fazendeiros americanos trocam a oleaginosa por milho a fim de produzirem etanol. Também foi levado em conta o possível deslocamento de rebanhos para a Amazônia já que pastagens em outras partes do país estão sendo ocupadas com plantações de cana de açúcar.

O relatório sustenta que as possibilidades destes impactos indiretos são extremamente complexas e exigem muito mais pesquisa antes que possam ser propriamente avaliados. No entanto, o documento aponta (não especificamente sobre o Brasil) que “o balanço das evidências mostra um risco significativo de que as políticas atuais vão levar ao resultado negativo das emissões da gás estufa e à perda de biodiversidade através da destruição de habitat” (…) “isso inclui efeitos surgindo da conversão de savanas em lavouras.”

Caso brasileiro

O relatório do governo britânico reconhece que a eficiência de diferentes processos produtivos de biocombustíveis varia enormemente em termos de sequestro de carbono. O etanol brasileiro tem muitos pontos positivos, especialmente por gerar eletricidade nas usinas com a queima do bagaço de cana.

Contudo um dos estudos de caso apresentados pelo relatório alerta que esta eficiência pode ser severamente comprometida se uma expansão de larga escala ocorrer em terras que atualmente têm ecossistemas nativos, especialmente o Cerrado. O caso de estudo brasileiro, conduzido pelo consultor Giulio Volpi, ex-membro do WWF, critica a instituição estatal de pesquisa agropecuária, a Embrapa, por alegar que 71 milhões de hectare do Cerrado ainda estão disponíveis para expansão agrícola. A Embrapa usa tal dado sem providenciar informação seja sobre o status da biodiversidade ou sobre o potencial de liberação de carbono que ocorreria se a terra fosse cultivada.

O relatório cita um estudo ainda não publicado que estima que a conversão do Cerrado em lavouras de cana de açúcar libera 10% do carbono retido no solo. Assumindo-se que a vegetação nativa contém 25 toneladas de carbono por hectare, isso levaria a uma emissão de 237 gramas de CO2 por cada metro cúbico de etanol produzido, um aumento de 63% do atual balanço de emissões do setor.

O caso de estudo aceita o argumento de que o impacto negativo dos biocombustíveis pode ser reduzido se a produção for concentrada em largas áreas de pastagens degradadas, principalmente em antigas regiões de Cerrado. Dentre as recomendações estão o aumento da produtividade da pecuária, o zoneamento agro-ecológico para controlar a localização de novas plantações de cana (algo que deve ser anunciado ainda este mês pelos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente), e uma aplicação mais rígida das leis anti-desmatamento.

Em seu relatório, o professor Gallagher deixa claro que ele acredita que os biocombustíveis podem desempenhar um papel importante em reduzir as emissões de gases estufa. Entretanto, seu alerta sobre as metas européias, e a aceitação imediata por parte dos ministros do Reino Unido, são evidências que o crescimento dos biocombustíveis na Europa gera dúvidas sobre a sustentabilidade do que um dia já foi exposto como principal arma contra o aquecimento global.

*Tim Hirsch foi correspondente da meio ambiente da BBC e atualmente é jornalista em São Paulo. Ele escreve o Blog Vida na Mata Atlântica.

  • Tim Hirsch 4g7338

Leia também 84q8

Salada Verde
3 de junho de 2025

Decreto acrescenta 400 hectares ao Parque Estadual Restinga de Bertioga 1c3e3i

Ampliação visa compensar remoção de áreas habitadas de dentro do parque estadual paulista e ajuda a consolidar corredor ecológico da Mata Atlântica costeira

Salada Verde
3 de junho de 2025

((o))eco é um dos finalistas do Prêmio de Jornalismo Digital Socioambiental 386q1h

Investigação da repórter Alice Martins sobre o futuro de Marajó, no Pará, concorre na categoria “Melhor Reportagem Socioambiental” do prêmio dado pela Ajor

Notícias
3 de junho de 2025

Iniciativa quer formar 1000 líderes pelo desmatamento zero no Brasil até 2030 55k4j

Comandada por André Lima, secretário do Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima, proposta oferece capacitação e troca de experiências com especialistas

Mais de ((o))eco 6q6w3q

biodiversidade 17186n

Notícias

Estudo aponta multiplicação preocupante do peixe-leão no litoral brasileiro 3o3249

Colunas

Cientistas negras viram a Maré: protagonismo e resistência na ecologia, evolução e ciências marinhas 1l5y71

Salada Verde

Brasil está entre os dez países líderes em projetos com créditos de biodiversidade 4z2f3x

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 1x2p2z

ibama 606926

Reportagens

Superlotação de animais e más condições geram nova crise no Cetas-RJ 1v428

Salada Verde

Boiada e seus donos devem sair de áreas que destruíram no Pantanal h1y5h

Salada Verde

Assassinato de onça-pintada será investigado pela fiscalização federal 3l4w5s

Salada Verde

Processo contra Salles por contrabando de madeira volta ao STF y6b42

mudanças climáticas 1j5e1m

Salada Verde

Países do BRICS querem US$ 1,3 tri para financiar ações climáticas 1m2a3j

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 2651j

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 4o3a5d

Reportagens

“Brasil não pode ser petroestado e líder climático ao mesmo tempo”, alerta Suely Araújo 3q19z

Caixa Postal 352x2y

Análises

Os oportunistas da notícia 152q3o

Análises

O MT Ilegal 14525b

Análises

Cadâ a pressa da licença ambiental? 6m2x2h

Análises

Biomas esquecidos 4z2q5k

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.