Reportagens

Madeira sem lei 1b3j1x

Mercado de madeira certificada cresce lentamente no país onde 86% do comércio é ilegal.

Leonardo Mancini ·
6 de agosto de 2004 · 21 anos atrás

O Ministério do Meio Ambiente e do Ibama conhecem a dimensão do problema: 86% da extração de madeira do Brasil é irregular e menos de 10% de toda a madeira comercializada não degrada, de alguma maneira, a flora nacional. No entanto, os dois órgãos federais responsáveis por identificar e coibir a atividade madeireira clandestina se declaram incapazes de cumprir a tarefa.

Recente prova disso foi o caso dos deques da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro: apesar de certificada pelo Ibama, a madeira era ilegal.

Em 2001, o Ibama autorizou o corte de 5.342 hectares na Amazônia, mas fotos de satélite comprovam que foram desmatados 523.700 hectares. Só na Terra do Meio, a área mais florestada do Pará, já foram descobertos mais de 23 mil quilômetros no meio selva. São trilhas de madeireiras. Mas por elas trafegam caminhões.

A Floresta Amazônica, maior reserva de madeira tropical do planeta, abastece 90% do mercado brasileiro de madeiras, que emprega mais de 2 milhões de pessoas e é responsável por 4% do PIB. Quase toda esta madeira, cerca de 86%, é consumida no Brasil mesmo, sobretudo por São Paulo, que fica com 1,2 milhões de toras anualmente (cerca de 20% do total).

A assessoria do Ibama assume que não pode fiscalizar todo o comércio de madeira, mas está desenvolvendo sua própria certificação ambiental. O engenheiro florestal Gustavo Pinho, funcionário do órgão, diz que existem estudos sendo desenvolvidos, como o projeto piloto de manejo sustentável na Floresta Nacional dos Tapajós. Seus resultados serão conhecidos dentro de poucas semanas, mas ele adianta que foram excelentes. Com base no projeto, o Ibama deve elaborar um novo marco regulatório para ser aplicado em todo o Brasil.

Segundo o FERN (Forests and the European Union Resource Network, a Rede de Florestas e Recursos da União Européia), hoje só existe uma entidade capaz de certificar madeira de forma absolutamente isenta: a FSC (Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal). É uma ONG, com sede no México mas presente em 34 países, cujos membros são representantes de empresas, governos e sociedade civil.

Funciona da seguinte maneira: a empresa procura uma organização certificadora da FSC, que vai até a área de extração e certifica a área, não a empresa. A cada dez meses, no máximo, fazem uma inspeção para verificar o manejo sustentável, cuja orientação varia de acordo com a região a ser inspecionada, como áreas de Mata Atlântica ou de terra firme na Amazônia. A diferença entre a FSC e outras organizações é que sua inspeção é a mais rigorosa e seus padrões foram pensados para garantir não só a conservação ambiental, mas para promover a inclusão social das populações locais e garantir a viabilidade econômica do empreendimento.

E madeira certificada é um bom negócio. Quem quer exportar madeira vê-se quase obrigado a trabalhar com certificação, já que vários países estão proibindo a importação das não-certificadas, como a Holanda. Além disso, as empresas revendedoras de madeira preferem este tipo de mercadoria para não correrem o risco de eventuais processos por exportação ilegal. Alguns governos concedem incentivos fiscais para construções “verdes”, que levem em consideração economia de energia, origem dos materiais e preocupação ambiental. É o caso dos Estados Unidos.

Chama atenção o fato da maioria destas empresas não rear o custo das madeiras certificadas, cuja obtenção é cerca de 30% mais cara, para o preço final. Isso porque ainda são poucos os consumidores que estão dispostos a pagar a mais por conta da certificação.

No Brasil só existe uma empresa que revende exclusivamente madeira certificada pela FSC. A EcoLeo, com sede em São Paulo, faz parte da rede Leo Madeiras, que tem 30 lojas espalhadas por Rio, São Paulo, Curitiba e Salvador. A gerente Karla Aharonian diz que o mercado de madeiras certificadas no Brasil está crescendo, e que os clientes são principalmente empresas que têm uma consciência ambiental forte e designers ou marcenarias que precisam exportar seus produtos. Ela está convicta de que em pouco tempo sua loja, que ainda não alcançou o retorno do investimento em madeira certificada, ará a ser um bom negócio. Tanto que planeja abrir outra loja no Rio de Janeiro.

A Leo Madeiras pode estar certa. Embora a os lentos, há boas perspectivas para o mercado de madeira certificada. O “Grupo de Compradores de Produtos Florestais Certificados”, iniciativa da ONG Amigos da Terra, reúne empresas e órgãos públicos que se comprometem a somente comprar produtos com o selo da FSC. Integram o grupo de compradores do bem os Governos Estaduais do Acre e do Amapá e empresas como Tramontina, Tok & Stok, Faber Castell e ABN-Amro Bank.

Já o Greenpeace tem investido no projeto Cidade Amiga da Amazônia, que tenta estimular, através dos conhecidos métodos da organização, as istrações municipais a criarem uma legislação que impeça a compra, pelas Prefeituras, de madeira ilegal. Oito municípios do interior paulista já aderiram ao projeto: Bauru, Botucatu, Campinas, Jundiaí, Piracicaba, São José dos Campos, Sorocaba e Ubatuba.

Hoje o Brasil detém a maior área florestal certificada na América Latina, segundo a WWF, com 2.300.874 hectares, colocação assumida no último dia 30. Muito pouco, considerando que isso corresponde a aproximadamente 0,3% dos 850 milhões de hectares de florestas brasileiras.

  • Leonardo Mancini 1aa3g

Leia também 84q8

Reportagens
10 de junho de 2025

Licenciamento forte pode reduzir a perda de espécies e os prejuízos em negócios 3pe3g

Pelo contrário, afrouxar suas regras tende a aumentar a judicialização e alargar prazos e custos de empreendimentos

Colunas
10 de junho de 2025

Arte naturalista Demonte 4k217

“Conhecer é preservar”: o legado dos irmãos Demonte, reconhecidos pela precisão e beleza dos registros da biodiversidade brasileira, continua a nos encantar e inspirar

Alice Martins Morais, de ((o))eco, e Karyne Gomes, de O Povo+, ganhadoras do Prêmio de Jornalismo Digital Socioambiental. Foto: Gabi Falcão
Notícias
10 de junho de 2025

((o))eco é um dos ganhadores do Prêmio de Jornalismo Digital Socioambiental 2cwi

Com investigação sobre a Ilha do Marajó, reportagem de Alice Martins venceu na categoria “Melhor Reportagem Socioambiental” do prêmio da Ajor

Mais de ((o))eco 6q6w3q

oceanos 5b3867

Colunas

Cientistas pedem urgência em ações para salvar oceanos 5k5z2b

Colunas

Podcast inédito explora os ambientes naturais marinhos e costeiros 5y4g3p

Reportagens

O quão pouco já vimos das profundezas do mar 6e6p51

Salada Verde

APA Baleia Franca sob ataque: sociedade protesta contra tentativa de redução 4k2y6n

amazônia ia40

Notícias

Morre Dalton Valeriano, responsável por modernizar o monitoramento do desmatamento no país 5q4d16

Colunas

O segredo mais bem guardado da política climática brasileira 433a2j

Notícias

Onda de apoio a Marina Silva após ataques sofridos no Senado une ministras, governadoras e sociedade civil 3h52q

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 386zf

Caixa Postal 352x2y

Análises

Os oportunistas da notícia 152q3o

Análises

O MT Ilegal 14525b

Análises

Cadâ a pressa da licença ambiental? 6m2x2h

Análises

Biomas esquecidos 4z2q5k

Capa 5w1yx

Fotografia

A Catedral de Mármore 4f25l

Fotografia

Um monte entre as nuvens 623h3o

Fotografia

Uma praia sem mar 1v4hp

Fotografia

Preikestolen, o Púlpito de Pedra 2v645l

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.