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Otimismo precipitado 4cl3k

A primeira semana da Conferência da ONU sobre mudanças climáticas fechou com dados alarmantes sobre o Brasil e muita conversa que não levou a lugar nenhum.

Tim Hirsch ·
13 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

Não parece ser hora para comemorações quando se observa o estado do mundo e as projeções sobre as mudanças climáticas provocadas pelo homem. Mas na primeira semana da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que está sendo realizada em Buenos Aires e termina dia 17, motivos para festejar foram bastante lembrados.

Foram comemorados os 10 anos da própria Conferência das Partes (por isso chamada, desta vez, COP-10). Elaborada durante a Eco 92, no Rio de Janeiro, foi consolidada dois anos depois, tendo o Brasil como o primeiro signatário. Houve festa também para o Protocolo de Quioto, que foi quase liqüidado pela recusa dos Estados Unidos em integrá-lo, mas acabou salvo pela ratificação da Rússia e entrará em vigor em fevereiro próximo.

Um terceiro o digno de ser celebrado foi anunciado na sexta-feira, 10 de dezembro, pela secretária-executiva da Conferência, Joke Waller-Hunter, que recebeu as Comunicações Nacionais do Brasil e da China sobre as emissões de gases causadores do efeito estufa.

Num dos eventos mais disputados da Conferência, Waller-Hunter elogiou os dois países e os chamou de pilares do processo de mudança climática. Disse ainda: “Hoje, os olhos do clima da Terra estão voltados para vocês e eu acredito que seus países vão continuar a mostrar liderança quando o assunto for mudança climática”.

No mesmo espírito, o chefe da delegação de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Everton Vargas, afirmou que “foi um momento histórico para os dois países por revelar a força das relações bilaterais entre China e Brasil e o compromisso em comum com as mudanças climáticas”.

Concluídos os elogios mútuos, chegou a hora de detalhar o conteúdo dos extensos documentos preparados pelos dois gigantes do desenvolvimento. Aí o clima de festa sumiu.

A Comunicação Nacional do Brasil é certamente um documento impressionante, bem apresentado e uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada num resumo detalhado da situação ambiental, social e econômica do país. Mas a mensagem contida nas entrelinhas é extremamente preocupante. Mostra como o desmatamento e a expansão agrícola arrastaram o país para a “Liga” dos principais emissores mundiais de gases relacionados ao efeito estufa.

Os números são chocantes. De 1,03 bilhão de toneladas de CO2 que teriam sido lançadas na atmosfera pelo Brasil em 1994, nada menos do que 75% foram atribuídas à destruição de florestas para a agricultura. E as fontes de emissão dos outros gases responsáveis pelo efeito estufa também demonstram o peso da atividade rural na cota brasileira de poluição. O país se diferencia das demais economias, em que os setores industriais e energéticos são os principais fatores que contribuem para as mudanças climáticas.

No caso do metano (CH4), o segundo gás mais prejudicial à atmosfera, 77% das emissões foram atribuídas a atividades agropecuárias. Mais precisamente à fermentação entérica, ou, indo direto ao ponto, aos arrotos do gado brasileiro, cuja população já ultraaria em quantidade a de humanos do país.

Todo esse gado também seria o maior responsável pela emissão do terceiro principal gás do efeito estufa: o óxido nitroso (N2O), gerado pelas fezes dos animais. Ao todo, a agropecuária responde por 92% dessas emissões no Brasil, dividindo a responsabilidade com fertilizantes à base de nitrogênio.

A influência desproporcional do desmatamento e da agricultura deve-se à estrutura energética do país, com as hidrelétricas gerando 90% da eletricidade. Comparada a outros países, a queima de combustível fóssil tem um peso muito pequeno sobre a economia brasileira.

Mas exatamente nesse ponto os dados da Comunicação Nacional são incompletos. O documento exclui o metano liberado pelos reservatórios das hidrelétricas, que em alguns casos pode exceder a emissão de CO2 por termoelétricas que produzem a mesma quantidade de eletricidade.

A justificativa para essa omissão foi a de que a metodologia usada para calcular a poluição de uma hidrelétrica ainda é bastante imprecisa, uma vez que não se sabe quanto do metano emitido pelo apodrecimento de plantas teria sido produzido independentemente da construção da barragem. Isso é compreensível, mas sugere que ainda há muito estudo a ser feito sobre o verdadeiro impacto do setor energético brasileiro sobre o clima da Terra.

Ainda sim, o relatório deixa claro que a maior contribuição que o Brasil pode dar para reduzir sua responsabilidade sobre as mudanças climáticas é controlar o índice de desmatamento, principalmente na Amazônia. Não por acaso, a abertura do evento em Buenos Aires contou com uma apresentação feita por João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, sobre as medidas que estão sendo adotadas pelo governo Lula para solucionar esse problema.

Depois de listar várias iniciativas de um plano de ação contra o desmatamento, incluindo programas recém-lançados de monitoramento por satélite para combater atividades ilegais, Capobianco afirmou à platéia internacional: “Estamos certos de que na próxima Conferência das Partes traremos boas notícias sobre a Amazônia”. A declaração surpreendeu, já que tudo indica que os dados de satélite, a serem publicados divulgados no ano que vem, revelarão níveis de desmatamentos sem precedentes em 2004.

Depois da apresentação, o coordenador da campanha do Greenpeace para a Amazônia, Paulo Adario, comentou: “Está claro que cuidar da ocupação e do uso da terra na Amazônia é a maneira mais rápida do Brasil atuar contra as mudanças climáticas. Se o país quer ocupar uma posição de liderança no debate climático, ele tem que começar fazendo o próprio dever de casa, enfrentando com coragem as causas do desmatamento, como a expansão descontrolada do agronegócio e os grandes projetos de infra-estrutura”.

A agenda oficial da primeira semana em Buenos Aires resultou em negociadores atados a debates sobre a próxima fase de ação internacional em relação às mudanças climáticas. As metas impostas pelo Protocolo de Quioto para os países industrializados expiram em 2012.

Como os negociadores da União Européia disseram, “estamos conversando sobre conversas a respeito de conversas”. O bloco europeu está inclinado a direcionar essas discussões de forma que os Estados Unidos possam participar mesmo sem ratificar o Protocolo de Quioto, mas os americanos não mostraram interesse em avançar em nenhuma consideração sobre o futuro.

O resultado dessas conversas será vital para o Brasil, uma vez que poderá ficar decidido que, na próxima fase, países em desenvolvimento também deverão se comprometer a limitar suas emissões. Até agora, o raciocínio predominante foi o de que as economias industrializadas do hemisfério Norte são as responsáveis históricas pelo efeito estufa e devem arcar com o ônus sozinhas.

Paralela a esse debate, existe a questão de como os países mais ricos devem financiar as medidas necessárias para a adaptação do mundo às inevitáveis conseqüências das mudanças climáticas, independentemente dos os tomados para a redução da emissão dos gases. Neste ponto, as discussões foram bloqueadas por uma exigência dos países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), liderados pela Arábia Saudita, que querem a inclusão de uma compensação para as economias que podem vir a ser prejudicadas por uma decisão mundial de deixar de consumir petróleo para mitigar o aquecimento global.

Portanto, no meio do caminho, o otimismo inicial da Conferência foi abafado pelo bate-boca habitual. Caberá aos ministros botarem a conversa no rumo certo quando chegarem a Buenos Aires, nos próximos dias.

* Tim Hirsh, formado em História pela Universidade de Cambridge, é correspondente de meio ambiente da BBC News e colaborador de O Eco.

Leia este artigo na versão original em inglês.

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