Reportagens

Ajustes em trilha podem melhorar sua função de corredor ecológico no Cerrado 3w201a

Desenho estratégico de 'rodovias verdes' colabora ainda mais para conservar espécies animais e de plantas, mostra estudo

Aldem Bourscheit ·
27 de maio de 2025

Um estudo de pesquisadores brasileiros aponta que mudanças no percurso de uma grande trilha sendo estendida no Cerrado podem ampliar o seu papel de conservar variadas espécies, inclusive ameaçadas de extinção.

Veiculado na revista Ecosystems and People, o estudo indica que ajustar o traçado e ampliar a proteção ambiental no Caminho dos Veadeiros vai torná-lo um melhor corredor para animais como onça-pintada, lobo-guará, veados, antas e tamanduás.

A trilha de quase 500 km está sendo implantada entre parques e outras áreas protegidas públicas e privadas, do Distrito Federal (DF) ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no nordeste do estado de Goiás. 

Outras porções conservadas que permeiam o trajeto são o Parque Nacional de Brasília, a Estação Ecológica de Águas Emendadas e o Campo de Instrução de Formosa, um centro de treinamento das Forças Armadas.

Conforme o estudo, muitos trechos do Caminho estão a menos de 2 km de seu melhor traçado como corredor ecológico, uma espécie de “rodovia verde” para o trânsito de animais silvestres. “É preciso uma estratégia de conservação para onde a a trilha”, ressaltou o biólogo Samuel Schwaida, um dos autores da pesquisa e analista no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

A medida reforçará planos para aumentar a conservação de ambientes, de espécies e da sociobiodiversidade. O território-alvo engloba 31 municípios, em Goiás e Minas Gerais. A execução será de órgãos federais e estaduais.

O Caminho dos Veadeiros (tracejado roxo) e seu percurso ideal como corredor ecológico (vermelho). Imagem: A long-distance trail as a strategy to maintain habitat connectivity in the central Brazilian savanna / Ecosystems and People / Volume 21, 2025

Cobertura verde de 66% 6z4x49

Nesse sentido, se não for possível alterar o percurso, a alternativa é proteger áreas entre as rotas atual e ideal, explicou Schwaida, também mestre em Geoprocessamento Ambiental pela Universidade de Brasília (UnB).

Isso seria ainda mais viável pela cobertura verde no território ao longo da trilha, de quase 66%. O percentual, avalia o pesquisador, pode ser resultado do relevo acidentado, de solos não tão bons para a agricultura e da taxa de áreas ambientais protegidas.

Todavia, essas unidades de conservação cobrem especialmente o sul e o norte da área influenciada pelo Caminho dos Veadeiros. “Há uma lacuna de proteção no ‘meio do caminho’”, apontou Schwaida.

O biólogo avalia que isso pode mudar com maior proteção legal, sobretudo onde a trilha e o projetado corredor se cruzam. “Isso protegerá o caminho e áreas importantes para a biodiversidade, além de melhorar a experiência dos usuários”, explicou.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram a situação do Cerrado nos sete municípios cortados pela trilha, a presença de animais citada em estudos e faixas de vegetação de cada lado do percurso.

Em vez de uma única rota, eles sugerem que ações conservacionistas aliadas a trilhas incluam trajetos distintos, compondo alternativas para a movimentação de animais e de pessoas.

Isso permitiria “diferentes perfis e atividades e uma ampla variedade de serviços de apoio que promovam o desenvolvimento econômico de forma sustentável”, detalha a publicação. 

Outras recomendações são maior cooperação entre governos e sociedade civil, aprimorar o conhecimento científico, proteger mais áreas valiosas para a vida selvagem e usar geotecnologias para melhor desenhar as trilhas. 

Também assinam o trabalho pesquisadores vinculados ao Instituto José Menck de Pesquisa Ambiental, ao ICMBio, ao Instituto Brasília Ambiental e à Associação de Amigos do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (AVE).

Excursionistas em trecho do Caminho dos Veadeiros. Foto: Rede Trilhas

Interligar paisagens 6w2s5v

Trilhas como o Caminho dos Veadeiros podem conectar naturalmente áreas naturais, protegidas ou não, explicou Potira Hermuche, doutora e professora-adjunta do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ela, isso ajuda a dispersar animais e plantas através de unidades de conservação, fazendas, territórios tradicionais e particulares, “exercendo um papel fundamental para manter a biodiversidade em ambientes cada vez mais antropizados [alterados pela não humana]”.

Conforme a especialista, a conectividade é estudada e praticada sobretudo desde meados do Século XX, quando aumentaram as preocupações com a fragmentação de ambientes naturais, por ações como o desmate.

Trata-se de um cenário que se agrava no Cerrado, um dos biomas mais devastados do País. Isso complica a formação de corredores ecológicos, previstos na lei brasileira e em acordos globais como meios de conservação. 

“O que temos é uma paisagem totalmente ocupada por atividades agropastoris, muitas desrespeitando as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RLs)”, destacou Hermuche. Ambas são áreas que devem ser preservadas em fazendas, diz a legislação florestal. 

Outra fragmentação que dificulta a conectividade ecológica é a de políticas ambientais e de uso da terra. Mudar isso pede leis mais claras e abrangentes, apoio técnico e financeiro à restauração ecológica, inclusive nos municípios.

“As trilhas de longa distância podem ser também um instrumento para incrementar a conectividade, pois têm a possibilidade de recuperar trechos degradados ao longo de seu percurso”, detalhou a doutora em Geografia.

Corredores ecológicos (A) ajudam a restaurar e conectar fragmentos de vegetação natural (B). Imagem: Federal Interagency Stream Restoration Working Group / United States

Rede conectora 3u211y

O Caminho dos Veadeiros faz parte da Rede Brasileira de Trilhas (Rede Trilhas), cuja mobilização e quilometragem crescem diariamente e mostram que caminhar, pedalar ou remar também ajuda a manter a natureza. 

“Promover a conectividade entre unidades de conservação é a nossa principal missão”, disse Camila Teixeira, secretária-geral da Rede e gestora-executiva do Caminho da Fé (SP/MG), que pode chegar a 2,5 mil km, com todas as ramificações.

A malha nacional de trilhas incentiva uma vida saudável ao ar livre, mas também gera empregos e negócios nas regiões onde a. “Ela movimenta economias”, pontuou Teixeira.  

A Rede soma trechos menores até compor trilhas de grande extensão. Hoje, 16,2 mil km estão implantados em 15 estados, interligando 248 parques e outras unidades de conservação. Outros 41,5 mil km estão planejados. 

Novos trechos que desejam se cadastrar precisam cumprir quesitos como sinalização básica, planejamento, mapear atrativos e locais de risco. “Tem que haver um mínimo de organização”, explicou a secretária-geral.

Buscando entregar mais trechos para uso público, a Rede discute um acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A ideia é avançar de forma conjunta na estrutura de trilhas, no País todo. 

“Isso também ajudará a captar recursos, afinal o trabalho de voluntários não dá conta de todas as demandas”, avaliou Camila Teixeira. A Rede é uma entidade civil sem fins lucrativos, reconhecida pelo governo federal.

Portarias da pasta federal já reconheceram como parte da Rede algumas de suas trilhas, como a Caminhos de Trajano de Moraes, no Rio de Janeiro, a Bike Trilha Cipó Jabó, em Minas Gerais, e a Amazônia Atlântica, no Pará.

Incluindo todas as suas ramificações, o Caminho da Fé pode chegar a 2,5 mil km, similares à distância rodoviária entre as capitais Palmas (TO) e Florianópolis (SC). Foto: Rede Trilhas

Entraves em terrenos privados 3b64l

A Rede Brasileira de Trilhas recebeu prêmios como o Outsiders (2021) e  Advancing Trails (2023) e integra o Conselho Nacional de Turismo. Já realizou três congressos nacionais, e o de 2026 será simultâneo ao Pan-americano de trilhas, em Foz do Iguaçu (PR).

“Queremos conectar o Brasil de norte a sul”, projetou Camila Teixeira. Mas os entraves a essa expansão incluem até a privatização do território nacional. Ou seja, trilhas podem ser obrigadas a mudar de trajeto ou até serem bloqueadas pela vontade dos donos de imóveis rurais e urbanos.

Não faltam exemplos. Depois de 20 anos percorridos por excursionistas, trechos iniciais do Caminho da Fé em duas fazendas foram desviados, em Águas da Prata (SP). “Nas políticas de implantação de trilhas, precisamos pensar também nas vantagens dos proprietários para permitir a agem por suas terras”, pontuou Camila Teixeira. “Se não autorizam, não há o que fazer”.

Tais entraves podem ser reduzidos se um projeto da Câmara dos Deputados de 2017 virar lei. O texto libera a agem por propriedades privadas rumo a locais de “beleza cênica”, como praias e cachoeiras. A proposta já foi aprovada na Comissão de Meio Ambiente do Senado.

Proposições semelhantes tramitam há décadas no Congresso Nacional. Uma é do então deputado federal Chico d’Ângelo, hoje no PT-RJ, protocolada em 2017. Outra é ainda mais antiga, de 2010, do ex-parlamentar Fernando Gabeira, pelo PV-RJ. 

  • Aldem Bourscheit 2tg

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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