Reportagens

Declínio de animais dispersores de sementes dificulta combate às mudanças climáticas 1x5v

Equipe internacional de pesquisadores faz alerta global para necessidade de incluir frugívoros nas estratégias de conservação, recuperação florestal e mitigação das alterações do clima

Maria Fernanda Ziegler ·
13 de junho de 2025
  • Publicado originalmente por Agência Fapesp 6u2y4f

Grande parte das árvores da Amazônia (90%), da Mata Atlântica (90%) e do Cerrado (60%) depende dos animais para espalhar suas sementes, garantir sua reprodução e manter a floresta em pé. São aves, mamíferos, peixes e até uma espécie de anfíbio que desempenham um papel crucial para a diversidade das florestas em todo o mundo. No entanto, esse processo tem se desintegrado à medida que populações de animais dispersores de sementes vêm diminuindo drasticamente.

A perda de animais frugívoros (cuja dieta alimentar é composta principalmente de frutos) provoca outro efeito: altera a composição das florestas, enfraquecendo sua capacidade de absorver dióxido de carbono e, assim, reduzindo seu papel no enfrentamento das mudanças climáticas.

Mas grandes esforços globais para proteger e recuperar ecossistemas continuam subestimando os animais dispersores de sementes nas estratégias de conservação da biodiversidade e recuperação florestal.

“Muito se comenta hoje sobre créditos de carbono e restauração da floresta, mas quem ‘planta’ o carbono? É o tucano, a cutia, a anta, a jacutinga. Para se ter uma copaíba, por exemplo, a floresta precisa ter tucanos e macacos para dispersarem suas sementes. Portanto, precisamos incluir os animais frugívoros na equação da restauração, pois já há ciência suficiente para se quantificar quanto do carbono florestal é plantado pelos animais”, diz Mauro Galetti, um dos diretores do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro.

Galetti e pesquisadores dos Estados Unidos, Suíça, Panamá, Alemanha, Espanha e Portugal publicaram um artigo na Nature Reviews Biodiversity alertando sobre as consequências da perda de dispersores de sementes nas mudanças no clima. O papel dos animais frugívoros é tão central na manutenção da biodiversidade das plantas que, segundo os pesquisadores, os esforços de restauração e proteção de ecossistemas correm o risco de não atingir as metas se o declínio dos dispersores de sementes não for mitigado.

Um estudo recente, publicado na revista Science por alguns dos pesquisadores que assinam o alerta, mostrou que a perda de aves e mamíferos em todo o mundo resulta na redução de 60% da propagação de sementes. “Avançamos muito para resolver esses problemas da perda de dispersores de sementes e, apesar de o Brasil ser o país com mais estudos científicos sobre dispersão de sementes, é preciso se aprofundar no problema e entender, por exemplo, que plantas e ecossistemas estão mais vulneráveis a essa perda. Além disso, é claro, precisamos identificar quais estratégias restauram melhor a dispersão de sementes”, diz o pesquisador.

Heróis desconhecidos 1b3f50

Ao comer um fruto, o animal dispersor é “contaminado” pela semente que a pelo tubo digestório e recebe um tratamento químico (por ação do suco gástrico) ou mecânico – no caso das aves, por exemplo, a moela amassa a semente –, o que permite a entrada de água na semente e a deixa pronta para germinar onde quer que o animal a deposite posteriormente, ao defecar.

Perda de aves e mamíferos reduz em 60% a propagação de sementes. Foto: Pedro Jordano.

“Portanto as sementes consumidas por animais vão germinar mais, mais rápido e vão se estabelecer em lugares mais seguros para crescer. E se não tiver um animal para ‘machucar’ a semente e levá-la para longe da planta-mãe, ela não vai germinar e, mesmo que germine perto da planta-mãe, provavelmente vai morrer porque haverá competição entre elas”, conta Galetti.

Mas é importante ressaltar que não há um padrão: em cada lugar do mundo, em cada espécie de árvore e de animal vertebrado essa interação é diferente. “A castanha-do-pará, por exemplo, só tem um dispersor: a cutia. Se a cutia for extinta localmente, o serviço de dispersão de sementes da castanha-do-pará sucumbe. Dependemos então de um serviço ecológico fundamental da cutia”, afirma Galetti.

Enquanto na Mata Atlântica aves, morcegos, macacos e antas são os principais dispersores de sementes, na Amazônia e no Pantanal os peixes desempenham um papel crucial. “Os pacus e tambaquis, por exemplo, percorrem grandes distâncias e comem grandes quantidades de frutos, o que os torna superdispersores de diferentes espécies nas matas ciliares”, conta o pesquisador.

Serviços ecossistêmicos 5p494r

Assim como abelhas e outros polinizadores, o papel dos animais frugívoros é essencial para a reprodução de plantas. Mas, embora ambos os serviços estejam ameaçados por fatores como mudanças no uso da terra e exploração direta, cada grupo responde de maneira diferente aos impactos. Enquanto os polinizadores sofrem mais com pesticidas, os dispersores de sementes são mais afetados pela perda de hábitats e pela caça.

Sementes consumidas por animais germinam mais e mais rápido, além de se estabelecer em lugares mais seguros para crescer. Foto: Mauro Galetti

Outra diferença é que o declínio dos polinizadores tem recebido mais atenção pública e política, já que sua ausência afeta diretamente a produção de alimentos. Já os impactos da perda de dispersores de sementes são mais difíceis de medir, influenciando a biodiversidade e o armazenamento de carbono ao longo do tempo.

“Ambos são importantes e devem ser levados em conta nos projetos de restauração e conservação. Porém, o declínio dos polinizadores é mais facilmente medido no curto prazo, ele gera impactos econômicos imediatos como a perda de produtividade das lavouras, enquanto os efeitos da perda de dispersores de sementes ocorrem de forma lenta e ampla, comprometendo a funcionalidade e a resiliência dos ecossistemas”, explica Galetti à Agência FAPESP.

O cientista afirma que os custos econômicos do declínio dos dispersores de sementes – como perda de armazenamento de carbono, redução do fornecimento de produtos florestais e declínio da resiliência natural a eventos ambientais extremos – ainda não foram quantificados globalmente. “A restauração não consiste em apenas plantar árvores, é preciso considerar quem vai manter o futuro dessa floresta, que são os animais dispersores. Há alguns anos acreditava-se que ao plantar a floresta esses animais iriam até ela. Mas não é assim que acontece. É muito mais complexo ter uma floresta restaurada funcionando”, conta.

No artigo, os pesquisadores destacam que novas sínteses e modelos de dados estão captando mudanças funcionais em grande escala e ajudando a revelar impactos de longo prazo, como a recuperação prejudicada de incêndios florestais e a degradação de hábitats para animais. “Enfrentar o declínio dos dispersores de sementes é fundamental para preservar a biodiversidade animal, garantir a conectividade das florestas e o equilíbrio das comunidades vegetais”, afirma Galetti.

O artigo Drivers and impacts of global seed disperser decline pode ser lido em: www.nature.com/articles/s44358-025-00053-w.

  • Maria Fernanda Ziegler 2u3z64

    Repórter da Agência Fapesp

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