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Deficiências do INCRA colocam em xeque programa de titulação no Brasil 681r6b

Experiência de Altamira (PA) mostra falhas na tentativa do governo federal de ar para municípios parte do trabalho de titulação de terras. Confira entrevista

Cristiane Prizibisczki ·
7 de dezembro de 2023 · 1 anos atrás
Colonos constroem uma casa em um lote desmatado as margens da rodovia BR-319 próximo a Realidade. A rodovia , que não é asfaltada, é o único o por terra que liga Manaus ao resto do país. Foto: Lalo de Almeida / Folhapress

Deficiências do INCRA colocam em xeque programa de titulação no Brasil 681r6b

Experiência de Altamira (PA) mostra falhas na tentativa do governo federal de ar para municípios parte do trabalho de titulação de terras. Confira entrevista

Por Cristiane Prizibisczki

Altamira, no Pará, é o maior município do país. Ele tem quase 160 mil km² de extensão, o equivalente aos territórios de Portugal e Irlanda somados. E a complexidade de sua malha fundiária é proporcional ao seu tamanho. Dentro de seu território estão grandes unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos rurais e terras não destinadas da União.

Para tentar resolver parte da questão fundiária em seu território, Altamira aderiu, em abril de 2021, ao programa federal chamado “Titula Brasil”, que ou aos municípios parte dos processos de titulação das terras públicas federais. 

Segundo levantamento ainda inédito do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), 196 municípios do país aderiram ao programa, lançado em 2020 pelo governo Bolsonaro e que ainda continua em vigor.

Foto: Jaime Souzza

Problemas estruturais no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), responsável pela finalização do processo de titulação, no entanto, tem comprometido o sucesso da iniciativa. Menos de ⅓ dos processos analisados pelo município foram concluídos pelo órgão de terras do governo federal.

((o))eco esteve em Altamira em agosto de 2023 e conversou sobre o andamento do programa com o prefeito da cidade, Claudomiro Gomes da Silva (PSD), e com o secretário de Regulação Urbana, Gustavo Mafra. Você confere os principais trechos da entrevista a seguir:


Por que o município de Altamira resolveu aderir ao programa? 2w5m4k

Claudomiro Gomes da Silva – A falta de regularização fundiária é um grande problema de Altamira e de todos os municípios da Transamazônica. Quando da colonização da Transamazônica, no início da década de 1970, o governo trouxe pessoas para cá de todos os estados do Brasil e naquela época ele assentou essas famílias e existia apenas uma recomendação de que 50% do lote tinha que ser desmatado. Fora isso, naquela época não se deu título, não se delimitou as áreas que deveriam ser áreas de preservação. Veja que loucura. Eu costumo dizer que, comparando com uma luta de MMA, é como se o governo tivesse jogado todo mundo no ringue e tivesse só assistindo. 

Na verdade, é como a gente se sente até hoje. Porque daí surgiram os conflitos agrários, muita gente morreu. […] A gente aderiu ao programa do Titula Brasil com o objetivo de tentar resolver aquilo que o INCRA sempre colocou como um óbice, que é o fato de não ter pessoal para fazer o trabalho do campo, para revisar, para topografia. Então a gente se dispôs nesse convênio a fazer esse trabalho e entregar para o INCRA todo o trabalho de campo feito para que eles apenas emitam o título. 

Só que assim, criamos uma estrutura, uma estrutura considerável, mas não tem andado tanto porque o INCRA, de fato, além de ser muito, muito travado, é um órgão que, por não cumprir sua função, não atende hoje a demanda da população.

O que poderia melhorar seria a celeridade da análise dessas demandas que são readas do Núcleo ao INCRA

Gustavo Mafra
Como são os trabalhos da parte do município? Pelas normas do programa, o próximo o, após a adesão, seria a implantação de um núcleo de trabalho municipal. Esse núcleo foi implantado? Quantos funcionários fazem parte do núcleo? São todos servidores de carreira? 17128

Gustavo Mafra – Após a adesão ao Programa, foi instaurado o Núcleo Municipal de Regularização Fundiária, em maio de 2021, com sede na Secretaria de Agricultura, e que contava com a participação de cinco servidores públicos. Atualmente, o núcleo encontra-se em funcionamento na sede da Secretaria Municipal de Regulação Urbana e é composto por oito servidores públicos, sendo eles três de carreira.

O programa também previa o fornecimento, por parte do governo federal, de capacitação técnica aos servidores do núcleo municipal. Essa capacitação técnica foi feita? Quantas horas de treinamento foram fornecidas? 1w4zg

Gustavo Mafra – Sim, a capacitação do programa Titula Brasil foi realizada em dois momentos, sendo o primeiro treinamento realizado online, através da plataforma da Escola Nacional de Gestão Agropecuária (ENAGRO), onde foi ofertado os cursos de Regularização Fundiária e Assentamentos de Reforma Agrária e de Regularização Fundiária em Glebas Públicas Federais, com carga horária de 80 horas. O segundo momento de capacitação ocorreu no município de Santarém (PA), em agosto de 2021, na sede da superintendência do INCRA no Oeste do Pará, onde os servidores do número de Altamira participaram de palestras com servidores do órgão, vistoria em assentamentos e supervisão ocupacional em projetos de assentamentos naquele município, totalizando 50 horas de treinamento.

Atualmente existem oito servidores na secretaria, quantos carros têm para fazer as visitas de campo?  2v5i2r

Claudomiro As visitas de campo, quando a gente necessita fazer, nessa primeira etapa, a gente precisa da validação do servidor do INCRA para acompanhar a nossa equipe. Mas a partir de um segundo momento, o INCRA deveria também fornecer esses veículos para o núcleo de regularização, mas até hoje também não chegou.

E quantos carros o INCRA tem? 3s3u3i

Claudomiro Eles receberam novos veículos e surgiu até uma possibilidade de doação dos veículos antigos para o município, para a secretaria em si, mas aí com a mudança do governo, tudo isso foi paralisado. Mas o que acontece é que quando o carro [do INCRA] está funcionando, eles não têm o combustível, é mais ou menos assim. 

Quais os resultados do convênio até agora? Quantos processos de regularização que vocês iniciaram e estão parados lá no INCRA? 2yi2u

Gustavo Mafra – O núcleo de Altamira atende 8 projetos de Assentamentos e 9 Glebas Federais. Até o momento, foram 256 processos de regularização analisados, 56 Certidões de Reconhecimento de Ocupação Entregues, 64 Títulos de Domínio entregues a proprietários de imóveis em Glebas Federais e 13 títulos de Domínio entregues para beneficiários da Reforma Agrária.

INCRA precisa resolver a parte dele. Porque no caso de Altamira, a gente está fazendo 70% do trabalho e só depende deles em o documento, realizarem o processo e dar o título.

Claudomiro Gomes da Silva

Vale ressaltar que, por ser um acordo de cooperação técnica entre INCRA e Prefeitura de Altamira, os trabalhos de instrução processual, vistoria e coleta de documentos são realizados pelo Núcleo [municipal]. Ou seja, quase 70% do processo, mas a decisão final fica a cargo do INCRA. 

Não é possível mensurar com exatidão o número de imóveis que ainda necessitam de regularização, pois alguns assentamentos em Altamira ainda estão na fase de georreferenciamento, que é a etapa inicial para a regularização e é realizada pelo INCRA.

Vocês estão me dizendo que desse universo de 256 processos analisados, somente 56 títulos foram entregues para ocupantes de glebas federais e 13 títulos a beneficiários de Reforma Agrária, isso? 2w195c

Claudomiro Apenas 13…[…] Agora, eu não advogo aqui que o poder de dar o título venha para a mão do município. Não acho que seja um bom caminho. Mas o INCRA precisa resolver a parte dele. Porque no caso de Altamira, a gente está fazendo 70% do trabalho e só depende deles em o documento, realizarem o processo e dar o título. Isso não está acontecendo. 

O que vocês gostariam que melhorasse dentro do escopo do programa Titula Brasil? 3z4c4f

Gustavo Mafra – O que poderia melhorar seria a celeridade da análise dessas demandas que são readas do Núcleo ao INCRA, deferindo os pedidos de assentamento e efetivando assim a regularização dos imóveis.

*Foto da capa: Lalo de Almeida / Folhapress

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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Comentários 1 2p2l4m

  1. ARNALDO DOS SANTOS RODRIGUES diz:

    Um dos maiores problemas do turismo é a falta de objetividade do setor, quando nos referimos à preservação ambiental. Enquanto prefeituras e governos estaduais querem apenas aumentar a arrecadação, empresários e outros pequenos comerciantes e prestadores de serviços, não querem pagar nada ou quase nada, e consideram que já fazem muito pela coisa pública, os legisladores locais são em sua maioria um grupo de privilegiados e raramente fazem alguma ação efetiva que possa realmente melhorar o meio ambiente. Aí entram mais dois participantes desse imbróglio, a população local e o turista propriamente dito. O primeiro acredita que pode explorar o local, o meio ambiente e os turistas, acredita que o dinheiro pode resolver tudo, não se preocupa nem com sua própria educação sobre as questões ambientais, se quer se preocupa com os resíduos, esgotamento sanitário… Considera que tudo é de responsabilidade do governo local, estado e federação, normalmente usa frases conhecidas: “…a prefeitura não faz nada, o governo não está nem aí…”. Ainda temos o outro participante, o turista, este faz questão de explicar que está de agem, que está gastando uma pequena fortuna e que precisa ter retorno, não se considera responsável e muito menos está educado para entender essa situação, frases como: “…vim aqui ear, isso é um problema que a prefeitura deveria resolver…”, são comuns.
    Os poucos envolvidos que querem proteger o meio ambiente, formar mais florestas, recuperar áreas… enfrentam uma burocracia pesada e a falta de interesse das autoridades. Populações tradicionais, acabam sofrendo por todos os motivos já mencionados, e são induzidos a um tipo de mudança radical do comportamento, perdem boa parte da cultura tradicional e aos poucos se transformam em consumidores vorazes. Para tudo tem um preço, e nesses casos o custo/benefício é alto e os novos hábitos colaboram para a descaracterização tanto dessas populações, bem como, os fazem dependentes do turismo abusivo.
    É algo vicioso. Projetos e investimentos de longo prazo, mas envolvendo muitos atores e não apenas um determinado setor, podem mudar esse quadro. Aí vem algo que é incrível no Brasil: o imediatismo e o alto custo, péssima istração e muitos desvios criando uma situação, fica para ninguém sabe quando.