Da 350 – O ecólogo Eduardo Pichilingue, diretor da Fundação Pachamama no Peru, ite que ficou preocupado com a possibilidade de que o Equador decidisse, no plebiscito realizado no dia 20 de agosto, explorar o petróleo no Parque Yasuní ITT e reverter o avanço mundial que representou há 16 anos a decisão de manter o óleo sob a terra.
Agora, depois que 60% dos equatorianos rejeitaram a exploração e confirmaram aquela que é a mais avançada política pública global de enfrentamento às mudanças no clima, Pichilingue tem claro que uma nova e longa batalha ainda vai se iniciar.
“Independentemente do resultado das eleições para Presidente e para a Assembleia Nacional, vamos ter que exigir o cumprimento total do que ganhamos nas urnas”, observa Pichilingue, também coordenador da Aliança das Bacias Sagradas da Amazônia e um dos fundadores do Yasunidos, um coletivo político que liderou a campanha pela suspensão da exploração.
O alerta de Pichilingue se deve ao contexto político a ser enfrentado pelo Equador nos próximos anos. No domingo ado – em paralelo ao plebiscito, que também consultou a população sobre acabar com a exploração mineira na região do Chicó Andino, próxima à capital Quito –, ocorreu o primeiro turno das eleições para Presidente e para a Assembleia Nacional daquele país.
O segundo turno ocorrerá em outubro. Vão se enfrentar a candidata de centro-esquerda (com 33% dos votos) Luisa González (próxima ao ex-presidente Rafael Corrêa, que inciou a suspensão da atividade petroleira em Yasuní há 16 anos), e o direitista Daniel Noboa (24%), herdeiro do maior grupo econômico do Equador. “O setor petrolífero no Equador sempre teve muita força e capacidade de pressionar os governos”, completa o ecólogo.
Ele revela que a decisão dos equatorianos já influencia inclusive até a decisão do país vizinho, o Peru, de proteger povos indígenas na região de Napo Tigrem, contígua a Yasuní.
Na entrevista que segue, ele avalia o resultado do plebiscito e trata do impacto global que o resultado do domingo ado já está provocando.
350: O índice do plebiscito refletiu as suas expectativas? 3z155n
Eduardo Pichilingue: Estávamos bem preocupados. Este momento atual não é o mesmo de há 10 anos, quando começou o impulso pela consulta, após a iniciativa Yasuní ter sido lançada pelo governo [do ex-Presidente do Equador Rafael] Corrêa. [A criação de Yasunii] Nos havia dado uma plataforma bem sólida para poder avançar neste mesmo sentido.
Foram seis ou sete anos de campanha pelo [Parque] Yasuní ITT, que Corrêa decide por fim em 2013. Toda essa gente que foi formada nesta campanha, que havia adquirido uma consciência social e ambiental relacionadas a temas amazônicos, sentiu-se muito afetada pela notícia de que acabaria a iniciativa [do Parque] Yasuní ITT.
É aí [há 10 anos] que nasce Yasunidos, um coletivo composto principalmente pelos jovens que cresceram durante aqueles sete anos escutando as mensagens sobre a importância de proteção à Amazônia e do Yasuní, especificamente, além da importância dos povos indígenas e dos povos indígenas isolados. Esses jovens eram a base sobre a qual o coletivo [Yasuní] cresceu.
Isso fala muito da cidadania equatoriana em seu conjunto, que é muito sensível a estes temas, e que se expressou nas urnas com quase 60% dos equatorianos tendo votado a favor de deixar o petróleo debaixo da terra em Yasuní. Além disso, quase 65% votaram em não permitir a mineração na Reserva da Biosfera do Chóco Andino, que também é uma região biodiversa, muito próxima da cidade de Quito. É uma sociedade muito mais madura e consciente dessas questões e muito mais crítica contra o caminho que foi imposto pelo sistema econômico.
Você teme que a decisão de não explorar o Yasuní seja desrespeitada? 512x2m
Claro! Essas coisas já aconteceram no Equador, incluindo decisões da Corte Interamericana [de Direitos Humanos] sobre [o caso Povo Indígena Kichwa, de] Sarayaku. Então, não é aqui que termina o caminho de proteção a Yasuní, mas é aqui que começa um novo caminho.
Ganhar nas urnas é o primeiro degrau para alcançar o objetivo, que ainda vai custar mais um pouco. Independentemente do resultado das eleições para presidente e para a Assembléia Nacional, vamos ter que exigir o cumprimento total do que ganhamos nas urnas. O setor petrolífero no Equador sempre teve muita força e capacidade de pressionar os governos.

E o que acontecerá daqui para frente quanto à desmobilização da estrutura petroleira que já existe dentro do Parque Yasuní? 6q11u
Até o término de um ano se deve começar a desmontar toda a atividade petroleira que já existe no bloco 43 de Yasuní e deve começar a recuperação dessa zona. Isso levará alguns anos. Será necessária a participação da sociedade civil, talvez em observatórios, para se certificar o que acontecerá. As empresas petroleiras e a [estatal] Petroecuador vão fazer de tudo para estender ao máximo. De imediato, já é positivo que elas não poderão continuar a avançar.
A ideia original de Yasuní previa manter o petróleo no subsolo e vender créditos de carbono correspondentes no mercado financeiro, como forma de compensar o País. Por que foi suspensa a venda? 5m2i6u
O Equador decidiu por uma moratória sobre créditos de carbono. Não se pode negociar com carbono até que haja uma legislação específica. É algo responsável, comparando-se ao que acontece no Peru, onde não há uma legislação e se deixa a negociação aberta. Muitas comunidades indígenas estão caindo em armadilhas de empresas, que oferecem muito, mas não cumprem com o que prometeram.
Deixar o petróleo embaixo da terra vai muito além dos créditos de carbono. a pela proteção integral não apenas do carbono, mas também pela biodiversidade e, sobretudo, os serviços ecossistêmicos. Pela contribuição dessa parte importante da Amazônia para o equilíbrio do ecossistema em geral, em termos de oxigênio, etc.
É uma decisão correta. Quando lançou a iniciativa Yasuní ITT em 2007, o Equador não pensava no mercado de carbono. Pensava em algo que hoje deveríamos estar pensando todos os países que compartilham a Bacia Amazônica. Deixar o petróleo debaixo da terra para conservar as florestas em pé pelo equilíbrio ambiental que isso nos dá.
E solicitar uma compensação dos países desenvolvidos, tendo em conta que eles são os maiores contribuintes das mudanças climáticas e que pela imposição de um sistema econômico do qual eles se beneficiaram e que deixa os países que compartilham a bacia amazônica precisando explorar seus recursos para sustentar suas economias.
Essa ideia de 2007 [de criar o Parque Yasuní] foi muito adiantada para a sua época e agora estamos sobre um terreno muito mais firme. As mudanças climáticas não são uma especulação. É algo palpável para todos e todas que vivemos neste planeta. É claro que isso aumentou a preocupação dos Estados. Isso se reflete no mercado de carbono, mas essa preocupação pode e deve ir muito além.
Compete a nós como países em via de desenvolvimento que compartilhamos um ecossistema tão importante para esse equilíbrio como é a Amazônia exigir compensações nestes termos, e não apenas em termos de carbono, mas em todos os termos em que a Amazônia significa para o equilíbrio do planeta.
O resultado do plebiscito sobre Yasuní pode servir de estímulo para que outros países adotem esse tipo de política pública, ou que influencie a COP? 70114a
O resultado de Yasuní tem um peso enorme. Um país pequeno, com poucos recursos, que decidiu deixar o petróleo embaixo da terra para proteger a floresta amazônica põe o Equador em um lugar preferencial no mundo, ao se falar sobre mudanças climáticas e abre uma série de possibilidades para ele.
É indubitável que o Equador é o país mais adiantado em termos de mudanças no clima. [Manter o petróleo inexplorado] É inédito e é o suficiente para que outros países façam o mesmo. Vai estimular que este tipo de plebiscito aconteça em países vizinhos. Poderia levar também esses países a tomar medidas concretas de proteção desses territórios nos estados da região.
Creio que essa decisão também pode estimular a que os países, sobretudo da Amazônia, comecem a exigir as compensações pelos serviços ambientais providos pela floresta. Isso tudo não tem a ver apenas com as mudanças no clima, mas também a direitos dos povos indígenas. Yasuní é um território de povos indígenas em situação de isolamento.
Aqui no Peru, isso [o resultado do plebiscito] foi entendido como um triunfo do próprio movimento peruano. Os povos indígenas que estão no Peru cruzam a fronteira e chegam à região de [Reserva Indígena de ] Napo Tigre. Ter conseguido que se suspenda a exploração petroleira nessa zona de fronteira pressiona o governo peruano a tomar medidas imediatas de proteção em Napo Tigre. Uma vez que se decida proteger esses povos na região [de Yasuní], há outros povos que de maneira indireta vão receber também esse estímulo de proteção.
*A entrevista foi feita pela equipe da 350.org e republicada em ((o))eco.
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