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Grilagem de terras: União alega títulos nulos e age em defesa do Cristalino II 4g1040

Advocacia Geral da União pede anulação do processo de extinção da unidade de conservação por fraude em documentos. Empresa envolvida nega irregularidades

Cristiane Prizibisczki ·
22 de maio de 2024 · 1 anos atrás

A Advocacia Geral da União (AGU) ingressou, no final da última semana, com pedido junto à Justiça de Mato Grosso para que anule o processo de extinção do Parque Cristalino II. Por as terras do parque serem da União antes da criação da unidade, a AGU também pediu ingresso na ação, em mais uma reviravolta no imbróglio jurídico que se arrasta desde 2011 e que coloca em risco 118 mil hectares de floresta preservada.

O pedido da AGU para ingressar na ação acontece cerca de 20 dias após o Tribunal de Justiça do Mato Grosso dar ganho de causa à empresa Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo, que pedia a nulidade do decreto de criação do parque por falhas no processo de constituição da unidade. Instalada dentro dos limites do Parque, a empresa tem interesse na área.

No documento enviado ao Tribunal de Justiça, no entanto, a AGU alega que a empresa não tem legitimidade para pedir a extinção do parque. Segundo a União, a empresa seria “detentora de títulos nulos expedidos a partir de certidões materialmente falsas, supostamente emitidas pelo Intermat [Instituto de Terras do Mato Grosso] sobre área então da União, cujos ex-sócios cometeram fraudes recíprocas (reconhecidas em sentenças) e declararam em juízo que sempre souberam da nulidade dos títulos”.

A justificativa da AGU baseia-se no fato de que a área onde hoje está inserido o parque Cristalino II era historicamente de propriedade da União, na chamada Gleba Divisa, transferida para o Mato Grosso sob a condição de que o estado criasse no local uma unidade de conservação. Isto é, a empresa autora da ação teria grilado as terras por ela hoje ocupadas e, portanto, não teria legitimidade no processo.

Segundo o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), já há, inclusive uma ação na Comarca da cidade de Sinop questionando a validade dos documentos de posse da Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo

De acordo com Edilene Fernandes, consultora jurídica do Observa-MT, a União também tem interesse em atuar na defesa da manutenção da área porque há vários anos a unidade é uma das 120 UCs contempladas com recursos do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Além disso, ela é considerada prioritária para a conservação da biodiversidade pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

“O Tribunal de Justiça do Mato Grosso deve reconhecer o interesse da União. Caso isso ocorra, dado o interesse da União, a ação deve ar a correr no âmbito da Justiça Federal”, disse Edilene Fernandes.

((o))eco tentou contato com a empresa e seus advogados por diferentes formas, mas não obteve sucesso. Nas ações judiciais, a Triângulo alega que os títulos de terra são legítimos. O espaço se mantém aberto, caso a empresa queira se manifestar.

A Unidade de conservação tem esse nome em referência às nascentes translúcidas de abriga e ao rio de mesmo nome que a corta. Foto: Joao Paulo Krajewski-Divulgacao-

Mudança de tom 5s426h

Na manhã de segunda-feira (20) a Assembleia Legislativa de Mato Grosso realizou uma audiência pública para debater a omissão do estado na extinção do Parque Estadual Cristalino II.

Isso porque, durante o trâmite da ação no Tribunal de Justiça, o governo de Mauro Mendes optou por não recorrer da anulação do decreto que criou a unidade. Além disso, após a decisão final do TJMT, no final de abril, em favor da Triângulo, Mauro Mendes declarou em entrevista que não tinha interesse em contrariar a decisão da Justiça.

Após o ingresso da União no processo, no entanto, o governo mudou o tom. Durante a audiência pública desta segunda-feira, representantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e da Procuradoria Geral do Estado se mostraram abertos à retomada do processo.

“Foi uma audiência muito produtiva, em que vimos uma mudança de posicionamento tanto da SEMA quanto da PGE, em busca de soluções para se manter a unidade de conservação. Temos grandes expectativas de que vamos achar uma saída possível para se manter o parque e a preservação da Amazônia em Mato Grosso”, disse Edilene Fernandes.

Segundo apurou ((o))eco, dentre as deliberações que saíram da audiência estão:

  • Pedido para que a PGE recorra em conjunto com o Ministério Público ao Supremo Tribunal de Justiça contra a decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso;
  • Realização de nova audiência pública, marcada para dia 17 de junho, para que a PGE e a SEMA informem se vão e como vão recorrer;
  • Pedido para que a promotoria de justiça de Mato Grosso requeira aumento de fiscalização e ação ostensiva para proteção do parque.

Entenda o caso 3f6f6q

A ação julgada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso no final de abril foi movida pela Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo LTDA, uma empresa privada que desde 2011 pedia a nulidade do decreto de criação do parque, alegando que os ritos processuais não haviam sido seguidos.

Negada em 1ª e 2ª instância ao longo da última década, a empresa recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a ação voltou para análise pelo TJMT. 

Em agosto de 2022, os desembargadores decidiram, por 3 votos a 2, pela anulação do decreto que criou o Parque Estadual do Cristalino II. Réu no processo, o governo de Mato Grosso não recorreu dentro do prazo legal e com isso a decisão transitou em julgado. 

Entretanto, por uma falha processual, o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) , que é parte da ação, não foi citado sobre a decisão e sobre os prazos de recurso. Com isso, o processo foi reaberto e o MPMT pôde tentar reverter a decisão ao apresentar um recurso de Embargo de Declaração. O recurso foi negado na última semana pelo TJMT e o decreto de criação da unidade tornou-se novamente nulo.

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

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