Reportagens

Lei de licenciamento reduz consulta a público 433t5h

Projeto do governo extingue obrigatoriedade de participação pela internet e acena a ruralistas com licença para plantio, mas mantém geografia como critério de rigor na análise de empreendimento

Claudio Angelo ·
8 de setembro de 2016 · 9 anos atrás
Manifestação em Altamira (PA) pede cumprimento de condicionantes ambientais da usina de Belo Monte. Foto: Letícia Leite/ISA.
Manifestação em Altamira (PA) pede cumprimento de condicionantes ambientais da usina de Belo Monte. Foto: Letícia Leite/ISA.

Está pronto o rascunho do texto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que o governo Temer pretende enviar ao Congresso no final de setembro. O projeto, costurado entre Presidência, Casa Civil e Ministério do Meio do Meio Ambiente, mantém os pontos essenciais da proposta defendida pela área ambiental – entre eles, considerar a localização do empreendimento como principal critério para avaliar o rigor do licenciamento. Mas reduz prazos para os órgãos ambientais se manifestarem sobre a licença e elimina a obrigatoriedade de consultas públicas pela internet.

A proposta da nova lei vem sendo objeto de debates no governo desde maio, quando Sarney Filho (PV-MA) assumiu interinamente o Ministério do Meio Ambiente. Uma primeira versão, produzida pelo ministério, vazou para a imprensa em junho – e tem enfrentado resistências de ruralistas e da indústria. O novo texto, ao qual o OC teve o, saiu do Palácio do Planalto no dia 28 de agosto e tem circulado pela Esplanada. É a primeira proposta oficial.

Ela faz alguns acenos aos setores resistentes. Por exemplo, considera como um único empreendimento atividades realizadas periodicamente numa mesma área de influência direta, o que dispensa fazendeiros de ter de tirar uma licença por ano para produzir. Também reduz de quatro para duas as exigências que os órgãos ambientais podem fazer aos empreendedores para gerenciar efeitos de um empreendimento.

Outro ponto que atende aos setores produtivos é a redução do prazo que os órgãos ambientais têm para emitir ou negar uma licença: eles caíram de 15 meses para 12 meses no caso da licença prévia de obras que exijam EIA (estudo de impacto ambiental) e de oito para seis meses no caso da licença de instalação.

Essas mudanças, porém, não devem acalmar a oposição ao projeto. Isso porque a proposta do governo não cria de antemão isenções de licenciamento para ninguém, como desejam a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Também foram mantidos os critérios para definir o grau de impacto de um empreendimento, que consideram porte, localização e potencial de causar dano ambiental. A CNA acha que tais critérios são abrangentes demais, e a CNI teme que um número muito grande de empreendimentos acabe sendo classificado como sujeito a licenciamento mais rigoroso, em três fases – licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO).

O tom das críticas foi dado no fim de agosto, em um ofício do secretário de Meio Ambiente da Bahia e presidente da Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente), Eugênio Spengler, ao ministro Sarney Filho. A Abema é vista pela CNA como uma aliada na discussão do licenciamento.

Na comunicação a Sarney, Spengler diz que a proposta “não atende às preocupações e anseios dos Estados”. Os pontos são basicamente os mesmos de críticas anteriores expressas publicamente pela CNA e, reservadamente, pela CNI: o grau de relevância ambiental da área como critério para determinar o rito de licenciamento – que “leva a um grau de subjetividade (…) que inviabilizará a concessão de qualquer licença ambiental”, segundo o secretário – e a matriz de classificação dos empreendimentos baseada no porte e no potencial de degradação. Segundo Spengler, isso levaria à necessidade de estudos complexos “para quase 100% das atividades e empreendimentos”.

Dá uma adinha lá

Do outro lado, a proposta tem pontos espinhosos também para a sociedade civil. Um dos principais é desobrigar os órgãos licenciadores de fazerem consultas públicas pela internet. Na prática, isso limita os debates sobre uma obra a audiências públicas presenciais (a lei só obriga a fazer uma), que têm limites práticos de representatividade a depender da localização e do porte do empreendimento.

É o caso, por exemplo, de usinas hidrelétricas na Amazônia: as audiências feitas nas cidades da região são frequentemente remotas demais para índios, ribeirinhos e outras populações afetadas; ao mesmo tempo, também são iníveis a habitantes de outras regiões do país que tenham algo a dizer sobre aquela obra.

Em pelo menos um ponto o projeto também compra briga com o Ministério Público: na questão da participação dos chamados “órgãos envolvidos”, como a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A proposta do governo amplia para 90 dias o tempo que esses órgãos têm para se manifestar sobre um licenciamento – a versão anterior do projeto falava em 60 dias. Mas diz que a ausência da manifestação desses órgãos não obsta a licença.

Em termos práticos, isso poderia significar, por exemplo, que se a Funai por algum motivo deixasse de se manifestar no prazo sobre um projeto que afete povos indígenas, como a megausina de São Luiz do Tapajós (arquivada pelo Ibama por problemas no estudo de impacto ambiental), o licenciamento seguiria adiante mesmo assim. Esse entendimento deriva de uma portaria de 2015 do Ibama que já teve parecer contrário do Ministério Público Federal. Entidades de defesa dos povos indígenas também se opõem.

“Na nossa visão, o único regime aceito pela Constituição Federal seria vincular a decisão final do Ibama à manifestação da Funai, do Iphan e da Fundação Palmares”, disse Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental. “O Ibama não pode simplesmente dizer que não vai ter impacto numa terra indígena se isso é competência da Funai.” Segundo Guetta, o que é preciso fazer é fortalecer esses órgãos, que vêm sendo desidratados nos últimos anos ao mesmo tempo em que o número de processos para eles analisarem aumentou. “A Funai tem 15 funcionários para 3.000 processos. A Fundação Palmares tem dois funcionários para mil processos”, afirmou Guetta.

Outro advogado, o ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo Fabio Feldmann, diz que é preciso enfrentar outro tipo de desidratação: a dos órgãos ambientais dos Estados, que dão a maior parte das licenças no país. “Precisamos enfrentar essa questão, porque você aprova uma lei dessas e cria uma expectativa enorme sobre os órgãos estaduais”, afirmou Feldmann ao OC. “Me preocupa achar que tudo se resolve com prazos.”

O ex-secretário elogia um dos pontos centrais do texto, a instituição da chamada avaliação ambiental estratégica (AAE), que ganha muito mais peso na proposta oficial do que no rascunho tornado público em junho. Ela consiste em inverter a lógica do licenciamento como ele é feito no país: hoje toma-se a decisão de construir o empreendimento e o licenciamento vira uma etapa burocrática do processo. É algo “a vencer”, não uma parte do planejamento. A AAE, se for implementada, permitirá planejar políticas públicas primeiro com base em potencialidades ou fragilidades ambientais antes de chegar ao desenho do empreendimento – por exemplo, vale mais a pena construir uma grande hidrelétrica em terra indígena ou gerar a mesma energia com renováveis?

“Acho que deveria haver AAE para o setor empresarial também, não só para políticas públicas”, disse Feldmann.

imagemOC

 

Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

 

Leia Também

Lei de licenciamento já sofre resistências

Brasil licencia nova termelétrica a carvão

Lava-Jato, recessão e índios enterraram o projeto insano da usina de São Luiz

 

 

 

  • Claudio Angelo 565v1c

    Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a ...

Leia também 84q8

Reportagens
5 de agosto de 2016

Lava-Jato, recessão e índios enterraram o projeto insano da usina de São Luiz 2z394l

Entenda o contexto que permitiu a decisão do Ibama de cancelar o maior plano hidrelétrico do Brasil

Reportagens
23 de agosto de 2016

Brasil licencia nova termelétrica a carvão f1r5t

Usina de Ouro Negro, de 600 MW, ganhará licença prévia nos próximos dias; ela aumentará em 7% as emissões de CO2 por eletricidade no país e agravará escassez de água em zona crítica, diz Iema

Reportagens
18 de agosto de 2016

Lei de licenciamento já sofre resistências 4c344t

Setores agrícola e industrial tentam mudar pontos em projeto do governo que visa agilizar licenças e estabelecer localização do empreendimento como critério de rigor na concessão

Mais de ((o))eco 6q6w3q

licenciamento ambiental h3g53

Reportagens

Vidas Afogadas: Presos em canais de irrigação, animais silvestres agonizam até a morte 2a645l

Reportagens

Water canals threaten global wildlife r344l

Reportagens

Canais de água ameaçam a vida selvagem mundial 5a3t3g

Reportagens

Brazil needs to step up environmental control of its agricultural irrigation 3e2340

legislação ambiental 4u6d1a

Reportagens

Itaguaí (RJ) muda código ambiental municipal em menos de 24 horas 2pz40

Reportagens

Projeto na ALMT quer diminuir e até zerar distâncias mínimas para aplicação de agrotóxicos 1k152h

Salada Verde

Projeto de lei que aumenta pena para crimes contra fauna avança no Congresso 5on6a

Colunas

O que exigir de nossos candidatos municipais? 6t6jb

mudanças climáticas 1j5e1m

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

Notícias

Chuvas aumentaram em 10 vezes o desmatamento causado por eventos extremos no RS z1f4h

Salada Verde

Evento no RJ discute protagonismo da juventude no enfrentamento da crise climática 5o3n5g

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Petrobras avança mais uma etapa no processo para exploração da Foz do Amazonas 363h63

Salada Verde

Agenda do presidente definirá data de anúncio do plano de proteção à biodiversidade 1x2p2z

Reportagens

Brasil aposta na conciliação entre convenções da ONU para enfrentar crises globais 4q306r

Reportagens

Maior área contínua de Mata Atlântica pode ser mantida com apoio do turismo 1525x

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 3 2j4w2q

  1. GPA diz:

    Como sempre, o governo mais distante da população.


  2. Gisele diz:

    Se for pra considerar a localização do empreendimento como principal critério para avaliar o rigor do licenciamento, que pelamordedeus não sejam levadas em consideração aquelas "Áreas Prioritárias…" do MMA, pois se trata de um produto bisonho!


  3. Everardo diz:

    Se tá na licença tem que ser feito, ok. Entretanto, esse licenciamento foi uma situação de uma coisa recorrente no Brasil, os ambientalistas colocam coisas nas licenças que é obrigação do próprio poder público fazer e não são impactos do empreendimento.
    Ecochatos reclamando em 3… 2… 1…