Análises

Um colossal dilema para a humanidade 2y2o4a

Para suprir às exigências de nossa civilização perdulária quanto ao consumo de energia elétrica só há três alternativas terríveis.  

Ibsen de Gusmão Câmara ·
26 de setembro de 2011 · 14 anos atrás
Para atender às exigências atuais de nossa civilização perdulária quanto ao consumo de energia elétrica, só podemos dispor de três modalidades de geração: (1) usinas hidrelétricas, (2) usinas térmicas queimando combustíveis fósseis, e (3) térmicas nucleares. Devido a limitações intrínsecas e incontornáveis, as demais fontes energéticas ditas “alternativas” – basicamente eólica, solar, e derivados da biomassa – somente podem ser consideradas complementares e jamais serão suficientes, isoladamente ou em conjunto, para atender às insaciáveis necessidades correntes e futuras, a não ser que ocorra uma radical e improvável mudança no modo de viver da sociedade. Mesmo a geração eólica, a mais promissora e utilizada, está longe de ser uma solução satisfatória.

Das três modalidades principais indicadas acima, a hidrelétrica é sempre condicionada à existência de desníveis naturais no curso dos rios, e todos os possíveis aproveitamentos economicamente viáveis já se foram efetivados nas mais diversas regiões do globo, a exemplo da Europa e dos EUA. O Brasil ainda dispõe de considerável potencial hídrico não aproveitado, mas em sua maior parte ele se encontra na Amazônia a grandes distâncias dos centros consumidores e sua utilização gera impactos significativos no meio ambiente, que desencadeiam pesadas pressões contra sua concretização, como vem acontecendo com o projeto polêmico da usina de Belo Monte.

Embora considerada “limpa”, a hidroeletricidade é na verdade vastamente danosa aos ecossistemas fluviais por alterar o leito e o fluxo dos rios, degradar sua biota e, quando implantada em áreas antes cobertas por florestas, gerar por longos anos maciças quantidades de metano, um poderoso gás do efeito estufa. É o que se constata hoje na barragem de Tucuruí ou na insensata usina de Balbina, ao norte de Manaus.

As usinas térmicas que queimam combustíveis fósseis – carvão mineral, petróleo ou gás natural – produzem a maior proporção da eletricidade consumida no mundo, mas como constituem uma colossal fonte do principal gás do efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2), acarretam a maior parcela do aquecimento global e, em consequência, são responsáveis por grande parte da terrível ameaça que as mudanças climáticas significam para o futuro da humanidade e demais seres vivos. Todas as tentativas de dar um destino seguro às colossais quantidades de CO2 emitidas têm apresentado dificuldades técnicas de muito difícil solução. O único meio prático de atenuarem-se os seus impactos climáticos seria reduzir drasticamente a utilização dessas usinas, solução que vem sendo sempre postergada, pela quase inviabilidade de concretização.

Por tal razão e em face das preocupações crescentes com o clima, o mundo assistiu até recentemente a uma renovada tendência de construção de mais usinas nucleares, especialmente na China, Índia, Coréia do Sul e Leste da Europa, mas também em menor escala na América do Norte, Europa Ocidental e Japão. O Brasil apresentou um plano de construir mais quatro, além de Angra III. Esta tendência, porém, sofreu um forte impacto com a catástrofe decorrente do maremoto gigantesco ocorrido neste ano no Japão e das suas gravíssimas conseqüências sobre os reatores nucleares da usina de Fukushima.

Ainda que estas instalações fossem antiquadas e os graves problemas de contaminação radioativa houvessem tido origem em um evento geológico de proporções inusitadas e numa lamentável deficiência de projeto, que levou à desastrosa perda do sistema de refrigeração dos reatores, o uso da energia nuclear está sofrendo uma generalizada queda de confiança. Embora os novos reatores atualmente em construção sejam muito mais seguros e confiáveis do que os de Fukushima, as reações da opinião pública mundial ao evento constituirão um pesado obstáculo à continuidade da tendência antes constatada e os planos de construção de novas usinas sem dúvida serão todos reexaminados e em parte cancelados. Mesmo assim, no Japão, recentemente seu Primeiro Ministro rejeitou o fechamento das usinas nucleares no país, pela impossibilidade de sua substituição por outras fontes de geração de energia.

Estamos, pois, frente a um dramático dilema, aparentemente insolúvel. A tragédia de Fukushima mostrou que as usinas nucleares, ainda que geralmente muito confiáveis, a exemplo de mais de quatro centenas delas em funcionamento contínuo no mundo, estão sempre sujeitas a sérios acidentes imprevistos, ainda que raros e muito improváveis. Nenhum produto da mente humana é totalmente imune a falhas e, no caso das usinas nucleares, quando elas ocorrem, amplas áreas geográficas podem ser contaminadas por isótopos radioativos durante décadas ou séculos. Mesmo considerando ser a contaminação sempre relativamente limitada sob o aspecto geográfico, ela constitui um fato de imensa gravidade.

Por outro lado, sem o alarde mundial sempre provocado por qualquer acidente nuclear, as usinas térmicas a combustíveis fósseis, diariamente e em silêncio, despejam na atmosfera quantidades gigantescas de gases do efeito estufa, com decorrências de âmbito global que irão gerar no espaço de poucas décadas mudanças climáticas irreversíveis e devastadoras, atingindo toda a humanidade durante milênios.

Fica, portanto, evidente um perverso dilema: risco permanente de acidentes nas usinas nucleares com possíveis contaminações radioativas regionais graves e duradouras, ou mudanças climáticas gradativas com efeitos sociais e biológicos danosos de enormes dimensões e durabilidade, a efetivarem-se dentro de algumas décadas.

Às sociedades humanas cabe essa dura escolha.

 

 

  • Ibsen de Gusmão Câmara 9154c

    Pioneiro do movimento ambiental no Brasil, notabilizou-se na paleontologia e na conservação da natureza.

Leia também 84q8

Salada Verde
30 de maio de 2025

Chance de aquecimento da Terra ultraar 1,5°C aumentou, mostra estudo 3263y

Países caminham para que a principal meta do Acordo de Paris seja descumprida. Chance de que o aquecimento fique entre 1,5ºC e 1,9ºC em pelo menos um dos próximo cinco anos é de 86%, diz ONU

Reportagens
30 de maio de 2025

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 4h422r

Há 300 anos vivendo no bioma, modo de vida fecheiro envolve a criação de gado para subsistência e a proteção da vegetação nativa

Notícias
30 de maio de 2025

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios 48634p

Justiça decidiu que a concessionária CEEE Equatorial não precisa isolar cabos. Desde 2018, ao menos 56 bugios morreram eletrocutados no Rio Grande do Sul

Mais de ((o))eco 6q6w3q

clima e energia 4k2q1l

Notícias

Não cabe ao MMA definir o caminho da política energética brasileira, diz Marina Silva 1v3u43

Colunas

Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático 2p1x33

Colunas

Os desafios da diplomacia climática em 2025 3r3y3h

Reportagens

Congresso aprova marco da eólica offshore com incentivo ao carvão   6m6n3w

unidades de conservação 5p295q

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 386zf

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 1o156g

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 4h5y5t

política ambiental 6v2p2j

Reportagens

Como comunidades de fecho de pasto conservam o Cerrado no oeste baiano 4h422r

Notícias

Tribunal de Justiça do RS desobriga companhia de isolar fios para evitar choques em bugios 48634p

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WRI n6j56

Reportagens

Ribeirinhos e MPF querem cancelar licença para remover rochas em rio da Amazônia 131f37

oceanos 5b3867

Reportagens

O quão pouco já vimos das profundezas do mar 6e6p51

Salada Verde

APA Baleia Franca sob ataque: sociedade protesta contra tentativa de redução 4k2y6n

Notícias

Projeto quer reduzir APA da Baleia-Franca, em Santa Catarina v3z5v

Salada Verde

Trilha Transcarioca terá trecho oceânico até arquipélago das Cagarras 5a36r

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.