Reportagens

Na contramão do Acordo de Paris, Brasil tem maior alta na emissão de gases em quase 20 anos 6k6p1n

Quinto maior emissor mundial, Brasil emitiu 12,2% a mais de gases de efeito estufa em 2021 do que ano anterior. Desmatamento foi responsável por metade das emissões

Cristiane Prizibisczki ·
1 de novembro de 2022 · 3 anos atrás

A poucos dias da Conferência da ONU sobre o Clima, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) divulgou um número nada animador para a imagem do país no cenário internacional: as emissões brasileiras em 2021 tiveram sua maior alta em 19 anos.

No ano ado, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente. Em 2020, o número registrado havia sido 2,16 bilhões, o que representa um aumento de 12,2% quando comparados os dois períodos. 

Segundo o SEEG, alta maior só foi verificada em 2003, ano em que o Brasil atingiu seu recorde histórico de lançamento de gases estufa na atmosfera. Naquele ano, a alta foi de 20%, puxada pela explosão do desmatamento na Amazônia.

Este também é o quarto ano seguido que o Brasil registra alta nas emissões. O quadro coloca o país como o quinto maior emissor mundial, com 4% do total, atrás de China (23,7% do total), Estados Unidos (12,9%), Índia (6,5%) e Rússia (4,2%).

Os números, apresentados na manhã desta terça-feira (01), mostram que o Brasil contraria o Acordo de Paris, do qual o país é signatário. O acordo é um compromisso internacional que prevê a redução gradual das emissões mundiais, a fim de limitar o aquecimento global a 2ºC. Atualmente, o planeta já está 1,1ºC mais quente em média, quando comparado com níveis pré-industriais.

“Neste momento, temos um governo que se revelou uma bomba climática, uma verdadeira máquina de gerar aquecimento global e de jogar carbono para a atmosfera, para o planeta. Nós temos um governo que negou a agenda do clima e que fez tudo o que podia para destruir a governança ambiental de nosso país, especialmente na Amazônia, que é nosso maior foco de emissões”, disse Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, durante lançamento dos dados.

Vilões do clima 1i1c1g

De acordo com o levantamento divulgado nesta terça-feira, quase todos os setores da economia tiveram forte alta em suas emissões em 2021: 3,8% na agropecuária, setor que costuma ter flutuações pequenas nos gases de efeito estufa, 8,2% no setor da indústria e 12,2% no setor de energia, a maior alta desde o “milagre econômico” da ditadura militar, em 1973.

Mas quem realmente puxou as emissões totais do país para cima foi o desmatamento, diz o SEEG. Impulsionadas pelo terceiro ano seguido de crescimento da área desmatada na Amazônia e demais biomas no governo de Jair Bolsonaro, as emissões por mudança de uso da terra e florestas tiveram uma alta de 18,5% entre 2020 e 2021. 

A destruição dos biomas brasileiros foi responsável pelo lançamento de 1,19 bilhão de toneladas brutas de gases estufa na atmosfera no ano ado, contra 1 bilhão em 2020. O número é maior do que as emissões nacionais do Japão.

O setor de resíduos foi o único com emissões estáveis de 2020 para 2021.

Ranking de emissores 395i2m

Considerando todas as emissões brasileiras, as mudanças de uso da terra abocanharam 49% do total. Somente o desmatamento na Amazônia, diz o SEEG, respondeu por 77% das emissões deste setor em 2021.

“A taxa de desmatamento em 2021 na Amazônia Legal foi de 13.038 km, a maior desde 2006 […] Isso demonstra que o aumento das emissões atualmente está refletindo esse retrocesso nos padrões de desmatamento”, comenta Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM).

Mas o bioma não está sozinho: o desmatamento na Mata Atlântica em 2021 fez as emissões nesta formação florestal crescerem 65%;  e, no Cerrado, 4%. 

O segundo setor que mais emitiu em 2021 foi a agropecuária, com 25% do total do país. Segundo o levantamento, este setor lançou ao ar 601 milhões de toneladas de CO2 bruto equivalente no ano ado, contra 579 em 2020. A alta, segundo o SEEG, se deve principalmente à pecuária, em especial o metano emitido pela fermentação entérica do rebanho bovino – o chamado “arroto do boi”–, responsável por 79,4% do setor.

O SEEG também destaca o expressivo aumento do número de cabeças de gado em 2021 como motivação para esse crescimento. No ano ado, o rebanho bovino no país cresceu seis vezes mais que a média dos últimos 18 anos.

Na agricultura, os principais responsáveis pelas emissões foram o consumo de fertilizantes e o volume de calcário nas lavouras.

“O mais preocupante é que, mesmo com os compromissos assumidos pelo país em sua NDC [a meta no Acordo de Paris], no Compromisso Global do Metano e no Plano ABC, que tem mais de dez anos, em 2021, tivemos o recorde de emissões para a pecuária e a agricultura do Brasil”, salienta Renata Potenza, coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora. “Considerando as metas de redução de emissões assumidas na NDC do país para 2025 e 2030, o patamar atual torna o alcance dessas metas cada vez mais distante.”

O setor de Energia ficou na terceira posição do ranking de maiores emissores, com 18% do total emitido em 2021. No ano ado, o setor lançou na atmosfera 435 milhões de toneladas de CO2 equivalente, contra 387 milhões em 2020. Esta foi a maior alta em 50 anos, dizem os pesquisadores do SEEG.

“Proporcionalmente, as emissões explodiram pelo fato de o consumo ter caído em 2020 por causa da Covid. No ano ado, o consumo energético voltou a patamares de 2014”, explica Felipe Barcellos, analista de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), organização responsável pelos cálculos de energia e processos industriais do SEEG.

Outros dois fatores explicam a alta no setor de energia, diz Barcellos: a crise hídrica de 2021, que secou hidrelétricas e forçou o acionamento de termoelétricas, e a queda na safra de cana no Sudeste, que levou a uma alta do preço do etanol, reduzindo, consequentemente, a participação do biocombustível no transporte.

Os processos industriais e o setor de resíduos empatam na quarta posição do ranking de emissões, com 4% do total emitido no país em 2021, cada.

Segundo Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, o balanço de dez anos do Sistema mostra que o Brasil teve uma década perdida para controlar sua poluição climática. “Desde a regulamentação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, em 2010, nós estamos patinando. Não apenas não conseguimos reduzir nossas emissões de maneira consistente, como as aumentamos nos últimos anos, e de forma expressiva”, ressalta.

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

Leia também 84q8

Reportagens
25 de outubro de 2022

Maior problema climático na Amazônia é o ponto de não-retorno, diz pesquisador 62b4p

Problema do tipping point não é apenas o desmatamento, é principalmente a mudança climática, que vai corroendo a resiliência da floresta, afirma David Lapola, autor do 6º Relatório do IPCC

Notícias
14 de julho de 2021

Jabuti das termelétricas na MP da Eletrobras aumentará em 32% emissões do setor 5b71d

Nota técnica aponta que estímulo às termelétricas prevista na MP transformada em lei representará um aumento de 32,7% nas emissões de todo setor elétrico no Brasil, em relação a 2019

Notícias
4 de março de 2021

Desmatamento põe municípios da Amazônia na liderança de emissão de gases de efeito estufa 1w3e6b

Mapeamento inédito das emissões de gás carbônico por município no país revela que, impulsionado por desmatamento e agropecuária, municípios amazônicos lideram o ranking

Mais de ((o))eco 6q6w3q

emissão de gases de efeito estufa 4o4632

Salada Verde

Para engrossar as penas por danos climáticos do desmatamento ilegal 4u1d50

Reportagens

Brazilian protected areas store 28 years of national carbon dioxide emissions 1t5f4o

Reportagens

Unidades de conservação estocam 28 anos de emissões nacionais de dióxido de carbono 6y34l

Colunas

Na antessala do colapso climático o735h

mudanças climáticas 1j5e1m

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 2651j

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 4o3a5d

Reportagens

“Brasil não pode ser petroestado e líder climático ao mesmo tempo”, alerta Suely Araújo 3q19z

Notícias

“O poder da juventude está em aproximar realidades cotidianas dos espaços de decisão” 204t6u

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 5v2y1s

Reportagens

Ribeirinhos e MPF querem cancelar licença para remover rochas em rio da Amazônia 131f37

Salada Verde

Podcast investiga o que restou de Porto Alegre um ano após a enchente de 2024 2651j

Colunas

Por que os cristãos defendem o licenciamento ambiental 4o3a5d

unidades de conservação 5p295q

Notícias

Perda global de florestas atinge recorde em 2024, mostra estudo da WR 5v2y1s

Notícias

Em audiência tensa no Senado, PL-bomba e Foz do Amazonas dominam a pauta 386zf

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 1o156g

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 4h5y5t

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.