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No Pão de Açúcar, trabalho voluntário inspira luta contra crise climática 4a4ay

Projetos voluntários de reflorestamento ajudam a combater ilhas de calor nas grandes cidades. No Rio de Janeiro, programa de adoção é alternativa para quem quer contribuir

Pedro Henrique Pires de Mello ·
28 de fevereiro de 2025

O ano de 2024 foi confirmado como o mais quente já registrado, com temperaturas acima do limite de 1,5ºC previsto no Acordo de Paris. A crise climática em curso põe em xeque não apenas ambientes naturais, mas também a qualidade de vida humana, inclusive daqueles que vivem em grandes metrópoles, em meio a ilhas de calor formadas pelo excesso de concreto, poluição e asfalto e o déficit de áreas verdes. Diante dessa realidade, destacam-se projetos liderados pelos próprios cidadãos que promovem o reflorestamento e a arborização urbana. Um desses exemplos é o Projeto Pão de Açúcar Verde, que desde 2002 já plantou mais de 7 mil mudas nativas da Mata Atlântica na cidade do Rio de Janeiro graças a uma força-tarefa voluntária.

O projeto nasceu de uma iniciativa do bancário Domingos Sávio Teixeira, inspirado pela realização da Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada em 1992, no Rio de Janeiro, e um marco no debate global sobre as mudanças climáticas e seus impactos.

Natural do Mato Grosso do Sul, Sávio mudou-se para a capital carioca em 1985. Apaixonado pelo montanhismo, desenvolveu uma relação especial com o Pão de Açúcar, um dos morros mais icônicos da cidade. Durante suas escaladas, Sávio começou a se incomodar com o fato de que a face leste do morro estava exposta, sem vegetação, e sentiu que poderia fazer algo mais para proteger e reflorestar a montanha que tanto amava.

A concretização desse projeto, entretanto, não foi fácil. Trabalhando de segunda a sexta no Banco do Brasil, Sávio sofria com a falta de tempo e de recursos financeiros: “Conseguia focar e atuar no projeto apenas nos finais de semana, feriados e em partes das férias e tinha dificuldade em pagar ajudantes de campo, comprar ferramentas, insumos, fazer a necessária divulgação e, com isso, atrair mais voluntários para a causa”, conta o ambientalista.

Face leste do Pão de Açúcar. Foto: Duda Menegassi

Além disso, havia o desafio do  transporte das mudas para encosta do Pão de Açúcar, um local de difícil o e que necessitava da ajuda de montanhistas e escaladores voluntários. O ambientalista lembra ainda a desconfiança inicial da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC) devido ao caráter incerto da propriedade. “A SMAC não tinha certeza de quem era proprietário da área que, historicamente, era ocupada pelo Exército e que controlava a entrada. Só podiam entrar pescadores e montanhistas identificados com uma carteira fornecida pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme)”. 

O ime só foi resolvido durante o processo de criação do Monumento Natural dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, unidade de conservação municipal instituída em 2006. Na época, o Exército não apresentou nenhum documento que comprovasse a posse do terreno e a área protegida, com seus 91,5 hectares, aram a ser oficialmente da União.

Dois anos após a fundação do Pão de Açúcar Verde, em 2004, os mutirões mensais de plantio começaram, com o apoio fundamental de voluntários para recuperação ambiental da área. Em 2010, foi dado outro o importante, com a do Termo de Adoção que oficializou a parceria do projeto com a SMAC e um total de mais de 2,5 hectares de área adotada. O termo consolidou a relação que já existia entre Sávio e funcionários da SMAC, como o gestor do Monumento Natural, Marcelo Andrade, e a rede de viveiros da secretaria (ReflorestaRio).

Com o crescimento do projeto, pelo qual já aram mais de 2 mil voluntários, foi criada em 2018 a ONG Instituto Ecoflora de Atividades Ambientais, organização sem fins lucrativos e não governamental que coordena diversos projetos socioambientais, entre eles o Pão de Açúcar Verde.

Celebração dos 20 anos do Projeto Pão de Açúcar Verde. Foto: Rainer Seffrin

Como ajudar? o4z1t

Para que cidadãos comuns possam tomar a frente em iniciativas de reflorestamento e plantio de árvores, assim como Domingos Sávio,  é necessário entender as regulamentações e exigências requeridas. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, se o indivíduo tiver condições e interesse no plantio em áreas urbanas, como parques, praças e logradouros, as regulamentações e atividades são coordenadas pela Fundação Parques e Jardins (FPJ), especificamente, pela Diretoria de Arborização (DARB).

Responsável pelos plantios no Centro, Zonas Sul e Norte do Rio de Janeiro, a engenheira florestal Priscila Marinelli, da FPJ, afirmou que o plantio de árvores em áreas urbanas é uma atividade complexa que requer conhecimentos técnicos, uma vez que a árvore, no contexto urbano, é considerada como uma infraestrutura verde, que precisa conviver com demais equipamentos urbanos. “A introdução de uma árvore deve estar de acordo com o planejamento urbanístico da cidade. Assim, pessoas físicas ou empresas que queiram realizar plantios voluntários em áreas públicas da cidade devem contratar profissionais ou empresas credenciadas pela FPJ. Isso é necessário para que a arborização implantada esteja dentro dos parâmetros técnicos requeridos e para minimizar possíveis conflitos que possam estar associados à existência de árvores na urbe”, explica a engenheira.

Atualmente, os principais mecanismos para o plantio de árvores em logradouros, praças e parques da cidade são através de medidas compensatórias, que visam mitigar os impactos ambientais de empreendimentos e atividades,  e para obtenção do Habite-se – certidão que atesta que o imóvel foi construído segundo as exigências estabelecidas pela prefeitura no licenciamento e que pode incluir plantio de árvores ou doação de mudas à cidade. 

Os pontos de plantio e as espécies a serem plantadas, assim como o acompanhamento da manutenção de um ano dessas mudas são determinados e definidos por engenheiros florestais, agrônomos e biólogos da DARB. Para os interessados, a abertura do processo istrativo pode ser feita pela plataforma do Carioca Digital. Após entrar na plataforma, o requerente deverá fazer , buscar no site “Fundação Parques e Jardins” e selecionar dentre as opções: Plantio voluntário de árvore em área pública.

Ainda no Rio de Janeiro, outro programa que visa atrair a participação de empresas, associações de moradores e cidadãos para o processo de gestão ambiental da cidade, através da adoção de áreas públicas como praças, jardins e canteiros é o Adote Rio, que atua em conjunto com a FPJ e SMAC.

A FPJ apoia a  adoção de praças, parques, canteiros e árvores urbanas que não estão enquadradas em Unidade de Conservação da natureza. Já o SMAC atua em processos relativos à adoção de bens públicos situados em Unidades de Conservação da natureza e áreas protegidas. Interessados em adotar alguma dessas áreas devem entrar em contato através dos e-mails: • adoterio.smac@.rio.rj.gov.br[email protected]

A lista de áreas públicas disponíveis para adoção está disponível no link. Confirmada a proposta de adoção, é assinado o termo, com validade de 2 anos e possibilidade de prorrogação. A partir do momento em que é firmado a adoção a ser obrigação do adotante conservar e realizar a manutenção necessária, enviando trimestralmente um relatório fotográfico que será analisado pelo fiscal do processo. 

Caso o adotante entre em algum desacordo com os Termos de Adoção ele se torna suscetível a sanções, que inclui desde advertências à rescisão em si do Termo de Adoção, e a retirada imediata de todos os elementos em desconformidade com o projeto. Se porventura o adotante praticar algum dano direto ou indireto às áreas protegidas sob sua responsabilidade, poderão ser aplicadas as sanções legais previstas na Lei dos Crimes Ambientais (nº 9.605/1998).

Arborização urbana, uma aliada no enfrentamento à crise do clima 1t11a

Segundo Priscila, uma gestão integrada e participativa das áreas verdes urbanas é fundamental para a construção de uma cidade resiliente, capaz de responder de forma efetiva aos efeitos climáticos cada vez mais extremos e frequentes. Porém, para ela, muitas são as ações que vão na contramão da luta para mitigar os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como a pavimentação de leito de rios, impermeabilização de solo e o desmatamento de remanescentes florestais. 

Para a engenheira florestal da FPJ, se não ocorrer uma mudança no pensamento baseado em soluções imediatistas para problemas sistêmicos, o fracasso será inevitável. “Atualizar e implementar os programas previstos no Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU-2016) deveria estar entre as políticas prioritárias para alcançarmos uma gestão integrada e participativa e conseguirmos implementar áreas verdes que possam enriquecer a paisagem e contribuir para mitigar os efeitos climáticos, mas que também sejam planejadas e manejadas de forma a evitar conflitos e riscos que possam estar associados a existência de árvores no meio urbano”, reforça Priscila.

Domingos Sávio concorda e ressalta que um planejamento efetivo e coletivo do paisagismo urbano pode impactar positivamente na luta contra as mudanças climáticas. Contudo, ele considera que a falta de conhecimento das atividades que são desenvolvidas e a falta de disposição para enfrentar as dificuldades inerentes ao trabalho são dois motivos que impedem que mais pessoas contribuam com causas ambientais importantes.

“Falta, sobretudo, compromisso com o meio ambiente, que é o que, de fato, mobiliza as pessoas a assumirem atitudes propositivas e se permitirem olhar ao redor e se perguntarem como é possível contribuir para a melhoria do seu bairro. E também a falta de disposição para contribuir de outras formas, como financeiramente, para que ONGs como o Instituto Ecoflora continuem a desenvolver suas atividades socioambientais em prol da comunidade e da cidade”, pontua o ambientalista.

Esta matéria foi produzida em uma parceria de conteúdo entre ((o))eco e o Portal de Jornalismo da ESPM-Rio.

  • Pedro Henrique Pires de Mello 396z4f

    Estudante de Jornalismo na ESPM-Rio

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