Reportagens

TAC da Carne: Governos estaduais são entrave na análise da regularidade da cadeia 33332e

Dos cinco estados da Amazônia Legal auditados pelo Ministério Público, dois não liberaram dados de trânsito animal e cadastro ambiental no 1º ciclo unificado

Cristiane Prizibisczki ·
26 de outubro de 2023 · 2 anos atrás

O Ministério Público Federal divulgou, na tarde desta quinta-feira (26), os resultados do primeiro ciclo unificado de auditorias na cadeia da pecuária na Amazônia Legal. Ao contrário das análises anteriores, que consideravam somente os frigoríficos do Pará, desta vez também foram analisadas empresas do Amazonas, Acre, Mato Grosso e Rondônia. A falta de colaboração dos governos estaduais, no entanto, prejudicou a realização de uma análise mais efetiva da legalidade do setor.

Dos cinco estados da Amazônia Legal signatários do acordo com o Ministério Público Federal que proíbe a compra de gado de fazendas com desmatamento ilegal, apenas três disponibilizaram os dados necessários para a auditoria realizada pelo órgão.

Para checar a origem do gado que vai parar nos frigoríficos da Amazônia Legal, o MPF precisava de dois documentos essenciais dos órgãos sanitário e ambiental dos estados: a Guia de Trânsito Animal (GTA) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), respectivamente.

Durante o processo de auditoria, apenas Pará, Amazonas e Acre disponibilizaram tais informações. Em Mato Grosso, estado com o maior rebanho bovino do país (34 milhões de cabeças), e em Rondônia (17 milhões de cabeças), os órgãos públicos decidiram por não abrir os seus dados.

Segundo Lisandro Inakake, gerente de projetos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), organização parceira do MPF na realização das auditorias, isso impossibilitou uma análise mais acurada da origem do gado.

“Nesses estados, as auditorias foram feitas com base apenas nas compras das empresas, o que perde um pouco a qualidade. Esse é um ponto de fragilidade desse ciclo unificado”, explica Inakake.

De acordo com ele, a negativa dos estados que não abriram os dados foi justificada por um alegado enfraquecimento do mecanismo de controle sanitário. 

Segundo apurou ((o))eco, ao longo do processo de auditoria, também apareceram como justificativa o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – argumento rechaçado por juristas – e uma alegada quebra na lógica da livre concorrência.

“Acho que tem um aspecto aí que é a insegurança por parte dos responsáveis pelas agências [ambiental e sanitária] em disponibilizar tais informações e, digamos assim, assumir o risco. Acredito até que eles preferiam que tivesse alguém para compartilhar essa responsabilidade, como o próprio Ministério Público em uma ação, por exemplo”, diz Inakake.

Gado em fazenda no município de Tailândia, Pará. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Ciclo unificado 3k5t10

O Termo de Ajustamento de Conduta da Carne – TAC da Carne, como é conhecido – foi lançado em 2009 e, desde então, apenas os frigoríficos do Pará aram por auditorias.

“Nos outros ciclos, uma questão que era sempre levantada pelo setor produtivo, com muita propriedade, era: por que só as empresas do Pará que se submetiam a esse processo de transparência, de abrir os seus arquivos, de mostrar para a  sociedade brasileira como um todo se comprava ou não de área desmatada, terras indígenas ou unidades de conservação”, disse o Procurador da República, Daniel Azeredo, durante apresentação dos resultados.

Azeredo, que é um dos precursores dos acordos da carne na Amazônia, disse que o ciclo unificado é uma forma de corrigir uma assimetria nos resultados das análises e trazer, por meio do engajamento e participação, todas as grandes e médias empresas instaladas na floresta tropical.

“Ainda há muito o que fazer, há muito o que se avançar, não está ainda no nível que a gente gostaria que estivesse o processo como um todo, mas ele precisa começar, né, e ele está começando”, complementou.

No ciclo unificado, as empresas estão divididas em dois grandes grupos: o primeiro é o dos frigoríficos que voluntariamente am o TAC da Carne, abriram seus dados e contrataram uma auditoria para analisá-los. 

O segundo grupo é o das empresas que não am o acordo e tiveram as auditorias realizadas à “revelia” pelo MPF, utilizando dados de GTA e CAR – nos casos de Pará, Amazonas e Acre – ou a lista de compras – no caso do MT e RO, cujos governos não abriram os dados, como explicado acima.

“A ideia é que ninguém se esconda. E essa é uma demanda das próprias empresas que participam desse processo, senão a gente tem um caso típico de concorrência desleal”, disse Azeredo.

Resultados do 1º Ciclo Unificado 4l6y63

O primeiro ciclo unificado considerou as transações realizadas entre julho de 2020 e dezembro de 2021. No total, 66 frigoríficos nos cinco estados analisados foram convocados a participar das auditorias. 

Trinta em uma plantas frigoríficas realizaram suas próprias auditorias. Grandes frigoríficos, como JBS, Marfrig e Minerva, possuem plantas em mais de um estado. Nesses casos, as plantas foram auditadas separadamente. 

Das empresas que se comprometeram a participar, no entanto, 12 ainda não apresentaram os dados a tempo da divulgação.  A elas, foi dado o prazo de janeiro de 2024 para assim o fazer.

Outros 35 frigoríficos não realizaram suas próprias auditorias e foram analisadas automaticamente pelo Ministério Público Federal. 

Acre 396v12

No Acre, três empresas foram convocadas a participar, entre elas a JBS. A gigante da carne foi a única a fazer sua própria auditoria e apresentou 10% de inconformidade. Isto é, cerca de 4 mil cabeças de gado estavam inconformes – em área de desmatamento ilegal, Terra Indígena, Unidade de Conservação ou com trabalho análogo à escravidão.

As outras duas empresas – Fricarnes e Modelo – foram auditadas pelo MPF e apresentaram, juntas, 5,5% de irregularidades (2.165 cabeças de gado inconformes).

Amazonas 4y104l

No Amazonas, 10 empresas foram convocadas. Destas, quatro contrataram auditoria, mas até o momento não apresentaram resultados. As outras seis foram auditadas pelo MPF e apresentaram, juntas, 7,4% de inconformidade (16.339 cabeças de gado inconformes).

Mato Grosso vl65

Em Mato Grosso, 17 frigoríficos foram convocados, sendo que 13 se comprometeram a apresentar suas auditorias. Desses 13, no entanto, apenas três – JBS, Marfrig e Minerva – apresentaram seus resultados. Outros quatro frigoríficos foram auditados pelo MFP.

Neste estado, a planta da JBS apresentou 2% de inconformidade (5.142 cabeças de gado). Marfrig e Minerva não apresentaram inconformidades.

Rondônia  l6r2n

Em Rondônia, dois frigoríficos foram convocados – JBS e Minerva – e os dois fizeram suas auditorias. A JBS neste estado comprou quase 21 mil cabeças de gado de áreas irregulares, o que representou 12% das transações. Minerva não apresentou inconformidade.

Pará  4j221

O Pará sempre recebeu uma atenção especial no âmbito da TAC da Carne, tanto pelo número de frigoríficos instalados quanto pelo volume de gado abatido. Antes do ciclo unificado, o estado ou por outros quatro ciclos de auditorias.

De julho de 2020 a dezembro de 2021 – período considerado neste último ciclo – o estado abateu 3,5 milhões de cabeças de gado. A amostra analisada nas auditorias deste ano englobaram cerca de 330 mil cabeças. O total de inconformidade ficou em 4,81% (16 mil cabeças).

Este foi considerado um bom resultado, já que o índice de irregularidade veio caindo desde que o primeiro ciclo foi realizado (10,4% de inconformidade na ocasião).

Considerando os resultados de todos os estados, o procurador Daniel Azeredo ite que o resultado ideal ainda está longe de ser alcançado, mas que este é um começo.

“Quando o MPF vai poder gastar nossa energia com outro tema e deixar a pecuária na questão ambiental caminhar livremente? Quando a gente tiver uma certeza próxima de 100 % de que o gado que entra em uma empresa frigorífica não venha de desmatamento legal. Nós estamos perto de alcançar isso? Infelizmente, não. Mas é para isso que estamos trabalhando”, disse.

O TAC da Carne foi lançado em 2009 e já tem 14 anos de vigência.

  • Cristiane Prizibisczki 1z1b3e

    Jornalista com quase 20 anos de experiência na cobertura de temas como conservação, biodiversidade, política ambiental e mudanças climáticas. Já escreveu para UOL, Editora Abril, Editora Globo e Ecosystem Marketplace e desde 2006 colabora com ((o))eco. Adora ser a voz dos bichos e das plantas.

Leia também 84q8

Notícias
23 de maio de 2025

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 425t72

À comunidade internacional, André Corrêa do Lago delineia o que ele espera que seja alcançado nas negociações preparatórias de Bonn

Análises
23 de maio de 2025

Que semana, hein? 3c4zy

Apesar das batalhas perdidas e dos ciclos que se fecham, a luta ambiental tem que seguir

Notícias
23 de maio de 2025

O Brasil e o mundo dão adeus a Sebastião Salgado, que viveu 81 anos de histórias e imagens 495p32

O fotógrafo dedicou grande parte da vida aos temas humanistas e ecológicos, incluindo a restauração de ambientes naturais

Mais de ((o))eco 6q6w3q

RADZ2023 3o15g

Notícias

Câmara aprova projeto que simplifica licenciamento da BR-319, um dos motores do desmatamento na Amazônia 6z623m

Notícias

Exploração ilegal de madeira na Amazônia afetou área do tamanho de Belém entre 2021 e 2022 1v3z10

Reportagens

Com crise climática, falar de regularização na Amazônia é dever de todos 43t1z

Reportagens

Regularização fundiária em Unidades de Conservação vai levar 490 anos, no o que está 1v4l4z

amazônia ia40

Notícias

Degradação da Amazônia cresce 163% em dois anos, enquanto desmatamento cai 54% no mesmo período 1b2369

Reportagens

Petroleiras aproveitam disputas entre indígenas e ocupam papel de Estado enquanto exploram territórios no Equador s201v

Reportagens

Ao menos 6 milhões de cabeças de gado no Pará estão irregulares entre indiretos 1kd5e

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 4c5z3c

política ambiental 6v2p2j

Notícias

Transição energética entra de forma discreta na terceira carta da Presidência da COP30 425t72

Análises

Que semana, hein? 3c4zy

Análises

Pela transição energética Norte-Sul pactuada na COP30 5g4n1l

Notícias

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 352x2h

desmatamento 4y695i

Análises

Que semana, hein? 3c4zy

Notícias

Governo, ongs e sociedade civil se manifestam contra aprovação do PL do Licenciamento 352x2h

Colunas

Mercantilização e caos no licenciamento ambiental brasileiro 1o156g

Notícias

Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento é aprovado no Senado 4h5y5t

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.