Reportagens

Transposição do São Francisco leva peixe invasor à bacia do rio Paraíba do Norte 75111

Pesquisadores identificaram uma espécie invasora no primeiro açude da bacia do rio Paraíba do Norte a receber águas do rio São Francisco e alertam pros riscos de desequilíbrio ecológico

Duda Menegassi ·
11 de maio de 2021 · 4 anos atrás

A transposição do rio São Francisco, projeto de grande magnitude que desviou parte das águas do Velho Chico para estados do nordeste, levou também um habitante indesejado para a bacia do rio Paraíba do Norte, no Eixo Leste da transposição: uma espécie de peixe invasora. O Moenkhausia costae é uma espécie de piaba ou lambari conhecida popularmente como tetra-fortuna e sem ocorrência registrada no rio Paraíba do Norte antes da transposição. Agora, de acordo com coleta feita por pesquisadores, é o terceiro peixe mais abundante no açude de Poções, o primeiro da bacia a receber as águas do São Francisco, em março de 2017.

A proliferação de espécies invasoras já era um risco que estava no radar dos pesquisadores desde o começo do projeto de transposição, por isso, cientistas de universidades da Paraíba e do Rio Grande do Norte correram para fazer um levantamento completo de todas as espécies que ocorriam na bacia do rio Paraíba do Norte antes da transposição, trabalho publicado em 2018 na revista Biota Neotropica. No total, 47 espécies de peixes de água doce foram identificadas.

“Nós já achávamos que com a transposição do rio São Francisco havia esse risco grande de espécies invasoras adentrarem a bacia do rio Paraíba do Norte, por isso nós fizemos um levantamento de todos os peixes que já foram identificados na bacia, desde os registros dos primeiros exploradores, até coletas [feitas em 2016] e listamos todas as espécies registradas num artigo, já para ter como referência do que havia antes da transposição. E essa espécie, a Moenkhausia costae, não estava na nossa lista. E nós sabíamos desse risco, mas não sabíamos que ia ser tão rápido”, conta o pesquisador Telton Ramos, do Laboratório de Ecologia Aquática da Universidade Estadual da Paraíba, e um dos autores tanto do estudo atual sobre a tetra fortuna quanto do levantamento anterior.

O Eixo Leste da transposição, que conecta o São Francisco ao Paraíba do Norte, foi concluído em março de 2017. Cerca de um ano depois, projetos de pesquisa e monitoramento realizados na bacia do rio Paraíba do Norte começaram a identificar a presença da Moenkhausia costae. Telton lembra ainda que antes de irem ao local, encontraram um pescador que contou que havia aparecido uma piaba nova no açude, e que os pescadores estavam “pegando muito esse peixe lá”. Era o alerta, um invasor havia chegado e se estabelecido.

“Na primeira vez que a gente coletou, em julho de 2018, foram poucos exemplares, apenas 5. Ou seja, é provável que a espécie tivesse acabado de chegar ali e ainda não tinha se proliferado, porque a metodologia que a gente usa é padronizada. E em janeiro de 2020 nós voltamos, no período chuvoso, e coletamos 36 exemplares. Foi a terceira espécie mais abundante, mostrando que, provavelmente, a espécie tem se proliferado e reproduzido no novo ambiente”, explica o pesquisador, que junto a outros quatro autores das universidades Estadual da Paraíba, e Federal da Paraíba e do Rio Grande do Norte, assim o artigo publicado na última semana na revista Biota Neotropica.

A linha vermelha tracejada indica o Eixo Leste da transposição do rio São Francisco. O polígono marcado como ‘A’ é o açude Poções, na bacia do Paraíba do Norte. Imagem: First record of Moenkhausia costae in the Paraíba do Norte basin after the São Francisco River diversion/Reprodução

Os desequilíbrios ecológicos causados pela introdução de uma espécie exótica podem variar, a depender de quem é o invasor e do ambiente em que ele é introduzido. No caso da Moenkhausia costae, Telton alerta que o principal impacto é a competição com as espécies nativas, em especial a Astyanax bimaculatus, piaba nativa do açude Poções.

“Qualquer espécie introduzida é considerada um grande impacto às nativas. Quando são predadoras, como o tucunaré, por exemplo, é provável que ela vá comer os peixes menores e pode dizimar populações e causar extinções locais. A Moenkhausia costae não é uma predadora, mas ela vai competir por recursos e pode até se alimentar de peixes pequenos e ovos de outras espécies. Isso tudo vai causar impacto nas populações nativas. E lá [no açude] tem uma outra espécie de piaba que é nativa, a Astyanax bimaculatus, e geralmente elas têm o mesmo nicho, se alimentam da mesma coisa, se reproduzem mais ou menos no mesmo período, então essas duas espécies vão competir entre elas para ver quem prolifera mais. E o que a gente tem visto é que a invasora está sobrepujando a nativa, porque ela foi mais abundante na nossa amostragem do que a nativa. Então, a Moenkhausia costae pode se expandir e a nativa diminuir ou até ser extinta localmente. Além disso, uma espécie invasora vinda do São Francisco pode trazer uma doença que não existia no rio Paraíba do Norte e com isso também provocar a mortandade de peixes”, resume o pesquisador.

Até agora a invasora só foi registrada no primeiro açude, o Poções, situado no município paraibano de Monteiro. Na sequência do curso do rio, há outro açude, chamado Camalaú, onde a espécie de piaba ainda não apareceu. Telton ressalta, entretanto, que a pesquisa foi paralisada com a pandemia e não foram feitas novas coletas desde janeiro de 2020. Além disso, com as chuvas, se o açude transbordar é provável que a espécie vá adentrar no rio, “e seguir a cascata: açude Camalaú, açude Boqueirão, e aí se espalhar pelo resto da bacia”, alerta o pesquisador.

O açude Poções, no município de Monteiro, na Paraíba, onde foi constatada a proliferação da piaba invasora. Foto: Telton Ramos

Os impactos também podem seguir literalmente em efeito cascata e se a piaba invasora chegar no açude Boqueirão, por exemplo, estará diante da Apareiodon davisi, uma espécie endêmica da Caatinga considerada Em Perigo de extinção de acordo com o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Volume VI – Peixes).

“Para Moenkhausia costae acho que agora não tem mais jeito. Quando a espécie é introduzida, é difícil retirá-la, ainda mais depois que ela estabelece uma população, como é o caso da costae. Já está estabelecida, se reproduzindo e certamente ela vai chegar nos outros açudes. O que o pessoal pode tentar fazer é evitar novas introduções, isso é responsabilidade do canal, dos órgãos públicos, que podem fazer barreiras para evitar que novas espécies em”, destaca Telton Ramos, que lembra que as barreiras em questão estavam previstas no plano do projeto de transposição. “Não é que somos contra a transposição, nós estamos só alertando pros impactos que ela pode causar”, conclui.

O grupo de pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba dará início a uma Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) e a expectativa é fazer um monitoramento contínuo e de longo prazo sobre os efeitos da transposição na ictiofauna da bacia do rio Paraíba do Norte, assim como monitorar os peixes invasores. Telton adianta, inclusive, que há indícios de outras duas espécies exóticas no Paraíba do Norte, oriundas do São Francisco, mas não revela mais detalhes, pois a pesquisa ainda está em andamento.

  • Duda Menegassi 5t4258

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

Leia também 84q8

Reportagens
4 de fevereiro de 2021

Ampliação de rodovia pode extinguir peixe endêmico do Ceará 2e5h2j

A duplicação da CE-452 (Av. Torres de Melo) aterrou parte das lagoas que são o único habitat conhecido de um peixe das nuvens ameaçado. Após denúncia, obra foi embargada e aguarda novos estudos

Salada Verde
6 de janeiro de 2020

ICMBio abre consulta pública para 75 espécies de peixes continentais 6rp2r

Os interessados têm até o dia 24 de março para enviar as contribuições. São 22 espécies de troglóbios e 55 rivulídeos para serem avaliadas

Salada Verde
24 de outubro de 2018

Ibama autoriza funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco v6c67

A validade da licença de operação (LO) está condicionada à continuidade da execução dos planos e programas socioambientais aprovados pelo órgão ambiental

Mais de ((o))eco 6q6w3q

rios f4c39

Notícias

Uma fórmula nada secreta para devolver a vida a rios 5c104s

Notícias

Países liberam rios para salvar peixes migradores h3a1w

Análises

Os desconhecidos rios submarinos 4c6f2i

Salada Verde

Ibama multa Rumo em R$ 15 milhões por poluir córrego no Pantanal 3m171q

peixes 5t2b6s

Notícias

Cientistas descobrem espécie de peixe que vive solitária na Amazônia 4c5z3c

Notícias

Financiamento coletivo ajuda na descoberta de duas espécies de peixes na Amazônia 666l1d

Salada Verde

Multados em R$ 2,3 milhões por vender peixes de aquário com alterações genéticas 533t5b

Salada Verde

Cardume de raias faz “desfile” surpresa em pleno Carnaval carioca 1l302

espécies invasoras 1w1e5y

Notícias

Conheça oito espécies da flora invasora que ameaçam a biodiversidade brasileira r2n1d

Notícias

Conheça as oito espécies da fauna invasora que dominaram o Brasil 595v50

Reportagens

A invasão do Brasil: UCs federais já registraram 290 espécies invasoras 4i3u4q

Notícias

Cães, gatos e mangueiras: a invasão biológica que ameaça as áreas protegidas 582s1h

pesquisa 54495r

Reportagens

O quão pouco já vimos das profundezas do mar 6e6p51

Salada Verde

FUNBIO abre bolsas para financiar pesquisas de mestrandos e doutorandos 3s68j

Análises

Mudanças climáticas: do medo às atitudes conscientes 2a5y63

Notícias

9 em cada 10 brasileiros perceberam mudanças climáticas nos últimos anos, diz pesquisa 4g4l4r

Deixe uma respostaCancelar resposta 4wh1i

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Comentários 16 5m3u6i

  1. Telton Ramos diz:

    Sei sim todo o valor, por isso mesmo que tenho plena certeza que o atual governo jamais faria uma obra dessa magnitude. Alias nem menor. Esse governo não teve capacidade de comprar vacina no período certo para o povo brasileiro. Como ele iria fazer obra dessa magnitude e mais para o nordeste, no qual, ele só vem por interesse. O dinheiro do Brasil atual, está sendo muito bem usado para comprar votos dos CENTRÃO como você bem deve saber.


  2. Luciano diz:

    Caro Sr Pesquisador, após esta sua resposta ficou mais do que evidente o lado político da história, falar que o atual governo não seria capaz de realizar uma obra dessa magnitude. Agora lhe pergunto: o Sr.Pesquisador sabe dizer qual foi o valor inicial orçado para a obra e por quanto ela ficou no NÃO término da obra? Sem mais delongas, obrigado.


  3. MARIO PIETROSKI JUNIOR diz:

    rapaz… aproveitem este peixe. bem fritinho é um “tira gosto” formidável. Aqui no sul tem bastante.


  4. Telton Ramos diz:

    Se as barreiras previstas pela transposição, estiverem sido feitas como planejado, isso não é possível. Na verdade, é possível que não tenha ado pela barreira exemplares de Moenkhausia costae e sim ovos fecundados dessa espécie.


  5. Telton Ramos diz:

    Opa. Desculpe mas essa sua notícia que a espécie ocorria antes da transposição no rio Paraíba do Norte é falsa. Esse açude é monitorado muito antes da transposição pela equipe do trabalho, e os próprios pescadores afirmaram a chegada da espécie. Os pescadores tem alertado que a espécie tem se proliferado. Não existe reclamação nenhuma no artigo, nem na repôrtagem. Os pesquisadores estão cumprindo seu papel de mostrar os resultados das pesquisas. A reportagem é importantíssima para levar as informações a população. Nós nordestinos não vivemos chorando, isso coisa de novela que enfatiza a pobreza em algumas regiões do Nordeste. No entanto. em todas regiões tem pessoas pobres e ricas, aqui também.


  6. Telton Ramos diz:

    Em momento algum foi falado em política. Ademais, a transposição do São Francisco não foi obra do atual Governo, é uma das grandes obras do Governo do Lula. Esse atual Governo jamais teria capacidade de fazer uma obra nessa magnitude.


    1. Creusa Lima da Silva diz:

      Creusa Lima da Silva – Esta grande obra marcou plenamente a História do Brasil pelo feto de vários governante não ter boa vontade de erradicar a seca e a fome na Região Nordeste do país. Luis Inácio Lula da Silva, mostrou a sua “Cara” para o povo e o mundo através das sua obras.


    2. Ademir Pimentel diz:

      De fato. Lula deu o cano. Como sempre. Quem levou a água foi Bolsonaro


  7. Telton Ramos diz:

    Usar o nome Rio Paraíba apenas tem causado muito problema com os outros dois rios, Paraíba do Sul e Paraíba do Meio.


  8. Juarez de Oliveira Nóbrega diz:

    Na reportagem aparece a denominação de RIO Paraíba do Norte.
    O rio que recebeu a transposição do Rio São Francisco tem como denominação apenas de Rio Paraíba, com nascentes na divisa do Estado de Pernambuco, cuja bacia hidrográfica fica localizada dentro do do estado da Paraíba.


  9. Adalgizo Witzel Martins Ferreira diz:

    A mídia podre negativista ja está em ação contra o governo BOLSONARO. É pura inveja, dor de cotovelo essa e outras matérias que procuram defeitos nas obras do governo Federal. Ora falam de peixes invasores, ora falam dos problemas que o canal da transposição trás aos animais selvage s da regiao. Ora falam que dezenas de motoristas de caminhões pipa ficam sem emprego. Ora falam que o asfalto trás perigo aos animais. Ora falam que a ferrovia trás prejuízos. Etc etc etc


    1. Telton P. A. Ramos diz:

      Está obra não foi realizada pelo atual governo, ele seria incapaz de fazer tal obra. Ademais estamos mostrando os fatos, a povo quer saber o que está acontecendo.


  10. Cabral diz:

    A espécie encontrada já era observada em menor escala no açude mencionado, é provável que as espécies nativas também tenham se expandido, a vida em geral tenha se expandido, lamentavelmente a pesquisa se resumiu a um peixe que também existe no Rio São Francisco. Quem sabe essa abundância de água traga a criação de espécies que alimente melhor, que traga uma renda para muitos moradores da região, pois temos que aceitar o lado bom da balança ou sermos os eternos choradores nordestinos.


    1. Telton P. A. Ramos diz:

      Este açude é monitorado desde 2012 e nunca foi registrado essa espécie, nem no açude nem na bacia do Rio Paraíba do Norte. Ninguem está choramingando, estamos mostrando um fato que aconteceu e é nossa obrigação mostrar para população o que está acontecendo que ja foi relatado por muitos pescadores. Ademais, as leis brasileiras são claras, introdução de espécies exoticas é considerado crime no Brasil.


  11. Cristiano diz:

    Tem algum risco dos peixes da bacia do Paraíba do norte fazerem o sentido inverso e se tornarem invasores no rio São Francisco?


    1. Telton P. A. Ramos diz:

      Tem sim, mas é bem menor, muitos km para subir de canais, e só poderia ser uma especie de pequeno porte.