Iniciativas pessoais, parques e outras unidades de conservação públicas e privadas compõem o pano de fundo de economias que podem ajudar a manter o maior remanescente global da floresta litorânea brasileira, reduzida a uma fração da cobertura original.
O primeiro contato do italiano Enzo Sebastiani com a Mata Atlântica foi pela janela de um avião, num voo da Europa à capital Curitiba (PR). Era um dia claro, em meados dos anos 1990. “Me surpreendi, porque, para os estrangeiros, floresta tropical é Amazônia”, disse.
Enamorado pelo cenário, cavou informações sobre o que viu com órgãos públicos e ambientalistas. Depois, associou-se a um brasileiro para comprar terras e criar a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sebuí. Ela foi reconhecida em 1999 pelo governo federal.
Antes, ele morou um ano no local e até comprou um “barquinho” para adentrar todos os seus recantos. “Foi uma coisa descomunal conhecer o interior dessa floresta densa, muito rica em biodiversidade e água”, contou Sebastiani a ((o))eco.
O nome da área protegida é de origem indígena e aponta para uma minhoca cujos movimentos sinuosos lembram as curvas que faz o principal rio daquele território. Sua riqueza natural também inspirou os futuros negócios na reserva.
“O intuito era desenvolver o turismo ecológico como fonte de renda numa grande região vocacionada para conservação”, disse o italiano, um técnico agrícola que atuou em projetos na América do Sul e na África.
A empreitada ia de vento em popa até a pandemia de Covid-19, que fechou atrativos mundo afora. A visitação na Sebuí se recupera desde então, mas isso não abalou os ânimos de Sebastiani. “Me tornei um conservador”, afirmou.

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Na Sebuí só se chega embarcado. Uma das operadoras de grupos turísticos até lá é do ornitólogo Raphael Sobânia. Segundo ele, a reserva e outras áreas protegidas públicas e privadas somam uma das regiões mundiais mais ricas em biodiversidade.
“Há toda uma estrutura de preservação, mas pouca gente ainda sabe de lugares como esse e viaja para o Exterior”, relatou.
A RPPN e demais áreas ambientais protegidas estão inseridas num território onde planícies e montanhas beiram rios e mar, espreitam manguezais e protegem culturas e histórias, como a de pescadores tradicionais e indígenas caiçaras.
O território também abriga espécies raras ou em risco de extinção, como o mico-leão-da-cara-preta (Leontopithecus caissara) e o papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis). “A região é um centro internacional para observar aves”, descreveu Sobânia.


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A reserva Sebuí e a grande massa verde avistada pelo italiano Sebastiani são parte da Grande Reserva de Mata Atlântica, com cerca de 3 milhões de ha de São Paulo a Santa Catarina. O maior remanescente contínuo do bioma é duas vezes maior que o estado de Alagoas ou que a Bélgica.
Boa parte está dentro de 110 unidades de conservação, como os parques estaduais Turístico do Alto Ribeira e das Lauráceas, os parques nacionais de Saint-Hilaire Lange e do Superagui, além de estações ecológicas como a de Guaraqueçaba.
Nesse gigantesco território, o turismo pode ser um aliado cada vez maior da conservação, avaliou Ricardo Borges, coordenador da Grande Reserva na ong Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), de Curitiba.
“A atividade tem que ser responsável e sustentável e não uma fonte de prejuízos ambientais, causados por exemplo pelo excesso de visitantes ou pelo descarte incorreto de lixo”, lembrou.
Hoje, há quase mil pessoas diretamente mobilizadas pela iniciativa. Cerca da metade são empresários, sobretudo de negócios turísticos, de gastronomia e hospedagem. Qualificação e capacitação são oferecidas a quem quer integrar a rede.
A visitação foi organizada em dezoito portais que levam a atrativos em 60 municípios. “Há meses de coisas para conhecer e fazer”, resumiu Borges, um engenheiro florestal formado na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Um dos organizadores do livro “Turismo em Áreas Protegidas”, de 2021, o mestre em Ciências Ambientais pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) José Gustavo da Silva destacou ser preciso envolver populações locais para reforçar a proteção ambiental.
“Essas pessoas precisam ser reconhecidas como representantes desses espaços naturais e participar dessas economias. É preciso alinhar conservação e desenvolvimento socioeconômico dessas comunidades”, descreveu o geógrafo.
Conforme Silva, um exemplo é o da georrota Cânions do Sul, um mosaico de áreas naturais e protegidas salpicado por populações rurais e tradicionais, ofertas de gastronomia e artesanato, cenários de praias a vales profundos.
“A conservação também é consequência de um turismo que aproveite as potencialidades de cada local”, avaliou.
Ao mesmo tempo, moradores e turismo regulado fazem frente a ilegalidades. Afinal, crimes como caça e desmate não autorizado pontuam territórios como o da Grande Reserva, onde o custo da fiscalização diária é alto.
“Um uso sustentável naturalmente inibe ilegalidades. Criminosos não querem ser pegos no flagra. Turistas e populações locais podem denunciá-los”, avaliou Ricardo Borges (SPVS).
Para tanto, é necessário injetar mais recursos no turismo responsável e outras economias que mantenham ambientes naturais e populações que mais dependem da preservação, disse Enzo Sebastiani (RPPN Sebuí).
“Precisamos de mais investimentos de longo prazo no Brasil para estruturar uma visitação de baixo impacto, como fizeram na Costa Rica, onde 25% das terras são unidades de conservação”, avaliou o italiano. Há iniciativas nesse sentido.
O Ministério do Turismo lançou uma plataforma para estimular a participação estrangeira no setor. A iniciativa é apoiada pelas Nações Unidas e pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF).
Somente de janeiro a setembro ados, o turismo internacional deixou no Brasil R$ 1,28 bilhão em receitas, apontou o Governo. O montante representa um salto de 231% em relação ao mesmo período de 2023.
Já um projeto do deputado federal Victor Linhalis (Pode-ES) traz incentivos tributários para o ecoturismo. Depois da comissão do setor, ele será avaliado pelas mesas de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça da Câmara, apurou a reportagem.

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O turismo regrado e outras atividades econômicas de menor impacto fazem da Grande Reserva de Mata Atlântica também um palco da chamada “produção de natureza”.
“Parques e outras unidades de conservação não são um desperdício. Ao contrário, são grandes geradoras de serviços para o dia-a-dia das pessoas e movimentam inúmeras economias”, destacou Ricardo Borges (SPVS).
Tais serviços envolvem regular o clima, manter fontes de água e biodiversidade, além de oferecer espaços para turismo e lazer.
Ou seja, áreas naturais protegidas compõem um modelo de produção de riquezas como outros setores econômicos, disse o engenheiro florestal formado na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Nesse sentido, quanto maior for a reserva de ambientes naturais, maiores os benefícios, incluindo a geração e a maior distribuição de renda por meio do turismo socioambientalmente responsável.
“Isso ajuda as pessoas a entender o valor das unidades de conservação e a manter populações locais”, disse. “O Brasil precisa enxergar de vez que manter áreas naturais é um investimento”, ressaltou Borges.
Isso é algo urgente e estratégico para assegurar o que resta e recuperar o que for possível da Mata Atlântica, encolhida a cerca de 12% da cobertura que um dia teve no país. O número é da ong Fundação SOS Mata Atlântica.
A viagem de ((o))eco ao Paraná foi apoiada em parte pelo Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), patrocinado pela Petrobras e realizado pela Associação Mar Brasil (AMB).
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Um dos maiores problemas do turismo é a falta de objetividade do setor, quando nos referimos à preservação ambiental. Enquanto prefeituras e governos estaduais querem apenas aumentar a arrecadação, empresários e outros pequenos comerciantes e prestadores de serviços, não querem pagar nada ou quase nada, e consideram que já fazem muito pela coisa pública, os legisladores locais são em sua maioria um grupo de privilegiados e raramente fazem alguma ação efetiva que possa realmente melhorar o meio ambiente. Aí entram mais dois participantes desse imbróglio, a população local e o turista propriamente dito. O primeiro acredita que pode explorar o local, o meio ambiente e os turistas, acredita que o dinheiro pode resolver tudo, não se preocupa nem com sua própria educação sobre as questões ambientais, se quer se preocupa com os resíduos, esgotamento sanitário… Considera que tudo é de responsabilidade do governo local, estado e federação, normalmente usa frases conhecidas: “…a prefeitura não faz nada, o governo não está nem aí…”. Ainda temos o outro participante, o turista, este faz questão de explicar que está de agem, que está gastando uma pequena fortuna e que precisa ter retorno, não se considera responsável e muito menos está educado para entender essa situação, frases como: “…vim aqui ear, isso é um problema que a prefeitura deveria resolver…”, são comuns.
Os poucos envolvidos que querem proteger o meio ambiente, formar mais florestas, recuperar áreas… enfrentam uma burocracia pesada e a falta de interesse das autoridades. Populações tradicionais, acabam sofrendo por todos os motivos já mencionados, e são induzidos a um tipo de mudança radical do comportamento, perdem boa parte da cultura tradicional e aos poucos se transformam em consumidores vorazes. Para tudo tem um preço, e nesses casos o custo/benefício é alto e os novos hábitos colaboram para a descaracterização tanto dessas populações, bem como, os fazem dependentes do turismo abusivo.
É algo vicioso. Projetos e investimentos de longo prazo, mas envolvendo muitos atores e não apenas um determinado setor, podem mudar esse quadro. Aí vem algo que é incrível no Brasil: o imediatismo e o alto custo, péssima istração e muitos desvios criando uma situação, fica para ninguém sabe quando.