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Moratória renovada e mais complexa 4o545b

Governo, empresariado e ongs esticam acordo contra soja ilegal, com o desafio de monitorar avanço do desmatamento em pequenas áreas. Medida ainda não vale fora da Amazônia.

Aldem Bourscheit ·
28 de julho de 2009 · 16 anos atrás
Soja: 85% dos cultivos estão fora da Amazônia. (Foto: Instituto Agronômico do Paraná)
Soja: 85% dos cultivos estão fora da Amazônia. (Foto: Instituto Agronômico do Paraná)

Governo federal e setor da soja renovaram, por mais um ano, a moratória que busca evitar a comercialização de produtos da oleaginosa cultivada em áreas ilegalmente desmatadas na Amazônia. É consenso de que a cultura já pesa menos na degradação da floresta. Mas, conforme monitoramentos, novas derrubadas caíram em tamanho, tornando cada vez mais caro e complexo se verificar a legalidade da produção. 

O acordo assinado entre Ministério do Meio Ambiente, representantes de produtores e de exportadores de soja e organizações não-governamentais estica a moratória até julho de 2010 e mantém a previsão de que as associações nacionais das Industrias de Óleos Vegetais (Abiove) e dos Exportadores de Cereais (Anec) não comprem e não comercializem soja produzida em áreas desflorestadas após julho de 2006. As entidades representam nove em cada dez quilos de soja comercializada no país. É consenso entre todos que a oleaginosa perdeu importância no desmatamento, ao menos da Amazônia.

“A soja deixou de ser um fator relevante para o desmatamento da Amazônia. A indústria cumpriu o essencial do acordo, que servirá de modelo para outros setores, como madeira, minérios e cana”, avaliou o ministro Carlos Minc.

Paulo Adário, do Greenpeace, concorda, mas lembra que a área plantada com soja tem crescido com base em desmatamentos inferiores a cem hectares. É a criatividade nacional para burlar a lei e a vigilância eletrônica em ação.

O último balanço das entidades envolvidas na moratória observou 630 áreas desmatadas após julho de 2006, com mais de cem hectares, em 46 municípios amazônicos. Foram identificadas apenas doze áreas recém desflorestadas com soja. Mas também foram registrados 8.030 pontos com pequenos desmates, inferiores a cem hectares. “E a degradação ainda se concentra no Arco do Desmatamento, principalmente no Mato Grosso, Pará e Rondônia”, disse.

Ampliar a produção com pequenas mordidas na floresta é algo também apontado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Seus dados de 2002 mostram que 55% das derrubadas ocorreram em áreas superiores a cem hectares e que um quinto da degradação aconteceu em parcelas com menos de 25 hectares. Já em 2008, a lógica quase se inverteu totalmente: 47% do desflorestamento foram registrados em porções menores que 25 hectares, enquanto as derrubadas com mais de uma centena de hectares somaram 22% do total.

Comer pelas bordas: Desmatamento com menos de 60 hectares em fazenda no Mato Grosso. A porção hachurada é sua reserva legal, sobre onde avança o desmate. (Imagens e dados: Greenpeace)
Comer pelas bordas: Desmatamento com menos de 60 hectares em fazenda no Mato Grosso. A porção hachurada é sua reserva legal, sobre onde avança o desmate. (Imagens e dados: Greenpeace)

“Os pequenos desmatamentos vão comendo a floresta pelas beiradas e representam pouca quantidade de soja, mas com essa mudança de padrão fica mais caro e mais difícil monitorar a produção, tanto por satélite quanto em campo”, comentou Adário.

Muitos desmatamentos têm repetido a fórmula de avançar sobre porções da floresta protegidas em lei, como reservas legais (80% das propriedades na Amazônia) e áreas de preservação permanente, como margens de rios, lagos e nascentes, e topos de morros.

O problema é tão real que governo, empresariado e ambientalistas já acertaram que as derrubadas menores serão monitoradas para o próximo balanço da moratória, no ano que vem. Já am de mil as áreas onde foram registrados desmatamentos nos últimos três anos, desde o início da moratória. Com tanto trabalho pela frente, as visitas em campo serão feitas de forma “amostral”, sem olhar todas as áreas por terra.

Fora da Amazônia

Se na Amazônia a soja tem perdido capacidade de gerar degradação direta da floresta, o mesmo não se pode afirmar de outras regiões.

A Amazônia responde por 15% da produção nacional de soja, com 1,6 milhão de hectares plantados. Os outros 21 milhões de hectares cultivados se concentram, nesta ordem, no Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás. Só o primeiro produz anualmente 17 milhões de toneladas e, das 19,3 milhões de toneladas exportadas pelo Brasil nos últimos seis meses, 7,54 milhões saíram de Mato Grosso. “Isso representa um terço da produção nacional e 9% da mundial”, disse Carlo Lovatelli, presidente da Abiove.

Logo, 85% da produção nacional de soja ocupa muito mais áreas fora da Região Norte, ou seja, no Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. A moratória da soja ainda não observa os braços do cultivo fora da Amazônia, mas o Greenpeace não descarta essa possibilidade. “A moratória ainda não vê o Cerrado, por exemplo, mas a experiência aponta para essa necessidade”, disse Tatiana Carvalho, da campanha amazônica da entidade.   

Regularização e custos

Um dos caminhos para se dar cabo da ilegalidade é o cadastramento de propriedades rurais. Assim, fica mais fácil identificar seus donos e fiscalizar o uso da terra. Mas a tarefa é digna de Hércules: só no Mato Grosso, tradicional líder em derrubadas, menos de 10% das cerca de 120 mil propriedades rurais estão registradas. A realidade é comum aos nove estados da Amazônia.

Por isso o acordo assinado hoje, em Brasília, prevê maiores esforço e apoio oficiais para cadastramento de fazendas em municípios sojeiros e para definição de zoneamentos ecológico-econômicos, espécie de partilha do território com base no uso atual ou esperado da terra.

Em vigor há três anos, a moratória parece ter pouco impactado a cultura da oleaginosa no país. Conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento, os plantios no norte mato-grossense subiram de 6,2 milhões para 6,3 milhões de hectares entre 2007 e 2009, mantendo-se pouco abaixo da área cultivada na safra 2006/2007, de 6,7 milhões de hectares. Já as exportações somaram receita de US$ 11,3 bilhões em 2007 e de US$ 17,9 bilhões no ano ado.

Os números positivos, todavia, não escondem certas preocupações da indústria. Michel Santos, gerente de Marketing da Bunge, avalia que a moratória traz custos adicionais à cadeia produtiva. “Vistorias em campo, monitoramento, recursos humanos e garantir que a soja não venha de áreas desmatadas tem custo. Mas sem isso também poderíamos sofrer restrições de mercado com barreiras não-tarifárias”, disse.

Ele também comentou sobre a necessidade de uma certificação nacional para a produção de soja. Afinal, a moratória não vai durar para sempre. “Precisamos pensar em um sistema de certificação para além do acordo”, ressaltou o gerente. A Bunge produz soja majoritariamente no Cerrado.

Atalhos:
Confira aqui novo acordo da moratória da soja

Relatório do 2º ano de Mapeamento e Monitoramento da Moratória da Soja

Boletim da moratória do Greenpeace

  • Aldem Bourscheit 2tg

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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